O conservadorismo em alta nas cidades

Algo acontece na gestão das três maiores cidades brasileiras. Enquanto o Brasil como um todo avança no que diz respeito a políticas públicas includentes e socialmente relevantes (pelo menos na […]

Algo acontece na gestão das três maiores cidades brasileiras. Enquanto o Brasil como um todo avança no que diz respeito a políticas públicas includentes e socialmente relevantes (pelo menos na área econômica), São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte parecem caminhar no sentido oposto. Nas três, ações que podem ser classificadas de maneira geral como conservadoras estão sendo adotadas com frequência cada vez maior.

Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab (líder do recém-formado PSD) está indicando para assumir todas as 31 subprefeituras da cidade coronéis reformados da Polícia Militar. A Prefeitura não comenta a lógica dessa decisão, mas os movimentos sociais acreditam que a ideia é colocar no poder quem entende de repressão. Loteamentos irregulares e ambulantes já estão sendo alvos da nova política higienista, especialmente na periferia, onde as ações da administração pública. Outras ações, como a tentativa de vender o quarteirão cultural do Itaim Bibi e de repassar para a iniciativa privada o poder de desapropriação na área do projeto Nova Luz corroboram essa impressão. O fechamento de albergues para moradores de rua também.

No Rio de Janeiro, as obras para a Copa e a Olimpíada estão expulsando moradores de suas casas. As contrapartidas oferecidas pela prefeitura são insuficientes para reassentar as famílias em condições iguais às anteriores. Movimentos de moradia tentam negociar, mas não conseguem receber qualquer resposta satisfatória. A forma como a revitalização da área portuária – o projeto Porto Maravilha – está sendo conduzida também é considerada pouco democrática: os moradores não puderam opinar sobre os rumos gerais do projeto e há poucas exigências na lei aprovada na Câmara (de autoria do Poder Executivo) para quem quer investir na região. Com poucas exceções, a regra é: pagando bem, que mal tem?

Em Belo Horizonte, a situação não muda. O descontentamento com o Prefeito Marcio Lacerda é tão grande que deu origem ao Movimento Fora Lacerda. Algumas das críticas ao prefeito são: nomeação do próprio filho para presidir o Comitê de Organização da Copa em BH; violência institucional contra moradores de rua (como a retirada de seus pertences); criação de regras impossíveis de cumprir para a realização de eventos culturais em praças públicas; remoção de moradias para obras da Copa; proibição de mesas de bares em calçadas e até a proibição de pipoqueiros sem licença (sem que novas licenças sejam oferecidas aos interessados).

Esse pequeno apanhado de ações das prefeituras têm em comum uma postura higienista e de criminalização da pobreza. Nenhuma dessas ações foi debatida a fundo com a sociedade. Quando os atingidos são chamados para conversar, o projeto já está pronto e poucas – se alguma – mudanças são aceitas. 

Apesar da tentativa de resistência de alguns setores, a verdade é que a maior parte dos moradores dessas cidades sequer sabe do que está acontecendo. A prática das assessorias de comunicação das prefeituras é a da não-discussão. Em São Paulo, tento há um mês agendar uma entrevista com o Secretário de Subprefeituras, sem sucesso. No Rio de Janeiro, quando um quadro da prefeitura é questionado sobre as remoções, a resposta padrão é que todas as famílias estão sendo assistidas, mesmo que essa assistência não sirva. Em BH, questionada sobre o Movimento Fora Lacerda, a prefeitura declarou desconhecer o movimento. Sobre a nomeação do filho de Mario Lacerda para o Comitê da Copa, a resposta é de que o cargo é voluntário, como se isso justificasse o nepotismo. Portanto, existe uma tentativa de dificultar a circulação desses fatos. Afinal, uma crítica perde o peso quando feita sem ouvir o ‘outro lado’.

O fenômeno da volta a práticas urbanísticas conservadoras merece atenção, especialmente quando isso acontece sem o aval da população. É verdade que medidas higienistas sempre foram populares em São Paulo (me parece que Rio e BH não têm o mesmo histórico), mas usar esse tipo de argumento para defender essas ações é errado. A democracia não pode ser a ditadura da maioria, mas uma permanente negociação para garantir que as minorias – sejam elas reais ou simbólicas – sejam respeitadas. Essa discussão é complexa e deve ser levada a sério. Infelizmente, parece que ela nem começou pra valer.