Livro reúne 100 anos de cinema LGBT

A princípio a ideia de reunir e relatar 100 anos de cinema LGBT nas telas brasileiras é de grande utilidade e interesse não só para os estudiosos e pesquisadores do […]

A princípio a ideia de reunir e relatar 100 anos de cinema LGBT nas telas brasileiras é de grande utilidade e interesse não só para os estudiosos e pesquisadores do audiovisual, mas para um público muito mais diversificado. E o jornalista, com especialização em cinema, Stevan Lekitsch, consegue realizá-la parcialmente em “Cine Arco-Íris”. Boa parte dos filmes está ali, de modo organizado e atraente. Porém, ele não passa do simples compêndio. Não há, por exemplo, análises de porque, por exemplo, há muito mais títulos atuais do que do início do cinema. Claro que essa não é a proposta do autor, mas um pouco mais de contextualização seria importante para o desenvolvimento de outros estudos no futuro.

É muito interessante, por exemplo, descobrir que, um ano antes de os irmãos Louis e Auguste Lumière apresentarem o cinematógrafo, em 1894, o também francês K. L. Dickson se posicionou em frente à câmera tocando um violino, que serve para ilustrar a cena de dois homens que dançam agarradinhos, acompanhando o ritmo. “Seria o primeiro filme com som sincronizado. E a primeira cena supostamente gay da história do cinema”, avalia Lekitsch. No Brasil, o primeiro filme a tratar da homossexualidade e da transexualidade é a comédia “Augusto Aníbal quer casar”, de 1923, dirigido por Luiz de Barros, que mostra um rapaz que se apaixona por um transformista chamado Darwin.

A partir daí, a obra agrupa os filmes em décadas e traça um mapa do que se produziu no cinema de mais relevante a respeito do tema, seja no próprio enredo ou na presença de diretores e atores homossexuais. Esse é o caso, por exemplo, do diretor italiano Pier Paolo Pasolini, que assumiu nos filmes que realizou a temática, caso de “Decameron”, de 1971, e “Saló ou os 120 Dias de Sodoma”, de 1975, ano em que foi brutalmente assassinado por um garoto de programa, “sacudindo a discussão sobre o cinema e sobre a homossexualidade. Muitos acreditam que ele teria sido vítima dos fascistas italianos, que odiavam o seu cinema conservador e acintoso para a Itália”, observa Lekistsch.

Há também algumas curiosidades como “Paixão Selvagem”, filme dirigido pelo compositor francês Serge Gainsbourg, em 1976, estrelado por Joe Dallessandro, ícone gay das décadas de 60 e 70, que trabalhou como modelo de famosas revistas de fisiculturismo. Mais curioso, porém, é notar que, apesar da crítica ao filme “Para Wong Foo, Obrigado por Tudo! Julie Newmar” (1995), estrelado por Patrick Swayze, Wesley Snipes e John Leguizamo, o filme que o originou, o australiano “Priscilla, a Rainha do Deserto” (1994), de Stephan Elliott, não consta na obra.

“Cine Arco-Íris”, portanto, tem o mérito de organizar e sistematizar os filmes mais relevantes a respeito da temática LGBT, e traçar um amplo painel da filmografia ao longo das décadas, de modo a ser um importante livro de consulta. Dá vontade de assistir ou rever a maioria dos filmes citados. Mas talvez a tal análise desejada a respeito da temática seja mais fácil de encontrar em filmes citados pelo próprio Stevan Lekitsch, caso de “Celuloide Secreto – O Outro Lado de Hollywood” (1995), de Rob Epstein e Jeffrey Friedman, que é uma homenagem aos 100 anos de cinema, destacando a presença dos personagens gays; e do curta-metragem brasileiro “Cinema em Sete Cores” (2008), de Rafaela Dias e Felipe Tostes, uma compilação de imagens de filmes nacionais que tratam da homossexualidade, com depoimentos de cineastas como Karina Aïnouz (“Madame Satã”) e Sandra Werneck (“Amores Possíveis”), e das personalidades André Fischer e Jean Wyllys.

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