Kassin esbanja experimentalismos retrôs no CD ‘Sonhando Acordado’

Guilherme Bryan A sonoridade é bastante retrô, remetendo às décadas de 70 e 80, e as letras tratam de personagens curiosos como um predador correndo atrás de zebras, o bebê […]

Guilherme Bryan

Abertura show da Céu no Circo Voador, Rio de Janeiro, 16.JAN.10 © Karen Aiache

A sonoridade é bastante retrô, remetendo às décadas de 70 e 80, e as letras tratam de personagens curiosos como um predador correndo atrás de zebras, o bebê que quer subir no sofá e mexer no fogão e o garoto que sonha transar no banheiro dos paraplégicos com uma gostosa que usa calça de ginástica.

Assim é “Sonhando Devagar”, álbum de Alexandre Kassin, produtor musical, cantor, compositor e multi-instrumentista, que não considera essa sua estreia solo. A arte bem colorida e psicodélica do CD é para ser vista em 3D, com óculos de cartolina, com lentes vermelha e azul, que eram bastante comuns anos atrás.

O que mais chama atenção é a sonoridade quase intimista e a voz suave de Kassin para cantar versos como “A falta de potássio me deu câimbras à noite /… / Tomates e bananas são muito salutares / Contêm muito potássio e são deliciosos / Sonhando devagar / Me esqueço de acordar / Se não fisgasse a coxa o sono me levava”. Experimentalismos como esse já haviam sido realizados pelo artista no grupo +2, formado também por Moreno Veloso e Domenico Lancellotti e que, recentemente, se desdobrou para +ela, no caso Adriana Calcanhotto.

A alegria quase infantil da canção “Fora de Área” é irresistível, graças à presença de Chiara Banfi, no coro, e de Alberto Continentino, no glockenspiel. Lembra algumas canções do início da carreira de Guilherme Arantes, o que provoca um efeito interessante para os versos “Tentei falar com você assim que escutei sua voz / Mas não consegui (telefone sem sinal) / Eu sei, às vezes você não quer nem saber se eu tentei / Fora de área (eu pensando em você)”. O mesmo espírito se repete em “Lua do Sol”.

A passagem de Kassin pela sensacional Orquestra Imperial se manifesta no ótimo samba experimental “O Que Você Quiser”, onde arrasa no baixo e na guitarra, ao ser acompanhado por Stéphane San Juan, na bateria e na percussão, Donatinho, no rhodes, e Marlon Sette, no trombone. O balanço retorna em “Quando Você Está Sambando”, com boa pegada a la Jorge Benjor.

Kassin também integrou a banda Acabou La Tequila e o projeto Artificial, no qual tocava como um Game Boy, e também é o compositor da trilha sonora do anime “Michiko to Hatchin”, que considera seu álbum de estreia. Essa experiência com os videogames aparece em “Lin Quer”: “Lin quer subir no café / Mas não vai dar, no sofá não vai dar / Lin quer mexer no fogão / Mas o fogão é traiçoeiro com o bebê”. Esse clima retorna na eletrônica e dançante “Calça de Ginástica”: “Eu gosto quando você passa de manhã / Descendo a rua mexendo a bunda pra lá e pra cá / Bem devagar”. 

O maior mérito de “Sonhando Acordado”, portanto, está no experimentalismo com que o artista utiliza elementos retrô com letras muito bem-humoradas e até sarcásticas. Esse é o caso da explosiva e antropofágica “Sorver-te”: “Gosto de ver-te, derreter-te / Para depois sorver-te, como um sorvete de creme / A sua calda esfria a alma / Mesmo ainda quente / Quero absorver-te, deleite”.

 

Leia a seguir uma entrevista de Kassin para a Rede Brasil Atual

Como surgiu a ideia de realizar “Sonhando Devagar” e por quê você não o considera seu primeiro álbum solo?  

Não considero o primeiro por causa do “Free USA”, que fiz inteiro no gameboy. A ideia do álbum veio de uma música chamada “Homem ao mar”, que gravei no disco “Futurismo” (Kassin +2). Ela é a descrição de um sonho recorrente que eu tinha. Dali fiz essa série de músicas baseadas em sonhos.

Você concorda que em faixas como “O Que Você Quiser” há referências a sua experiência com a Orquestra Imperial? Por quê?

Acho que a orquestra me influenciou muito sim. Eu mudei muito o meu jeito de tocar e pensar música. A minha geração não teve muito a experiência dos bailes, que são uma grande escola pra quem toca.

É possível afirmar que há um tom retrô na maioria das faixas, misturado com letras bem-humoradas e, em alguns momentos, sarcásticas?  

Tudo é possível. As letras são um ponto de vista muito pessoal. Se soam sarcásticas, é por causa desse ponto de vista.

De que modo aparece no álbum sua experiência como compositor de trilha sonora de mangá e as apresentações como Game Boy?  

Tudo que faço me influencia de alguma maneira, mas esse disco tem a ideia de soar único.

Por que oferecer ao ouvinte óculos de cartolina com lentes vermelha e azul, como era bastante comum há alguns anos principalmente em revistas infantis?  

Queria que a experiência de ouvir o disco incluísse o objeto. Gosto de ouvir um álbum junto com o projeto gráfico.

Você pretende excursionar com esse álbum pelo Brasil? E se sim, como ficarão seus outros projetos, principalmente o +2 + ela?  

O +2 está parado por enquanto. Então tenho planos de tocar aonde for convidado. Me dedicarei ao “Sonhando Devagar” por enquanto e já tenho planos para outro disco em breve.

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