Bonde de Santa Teresa falha outra vez e governo foge da responsabilidade

Bondes têm problemas de conservação e nem decisões judiciais conseguem resolver (Foto: Rio Trilhos) O acidente com o bonde de Santa Teresa, que aconteceu nesse sábado e matou 5 pessoas, […]

Bondes têm problemas de conservação e nem decisões judiciais conseguem resolver (Foto: Rio Trilhos)

O acidente com o bonde de Santa Teresa, que aconteceu nesse sábado e matou 5 pessoas, ainda está sendo investigado pela perícia técnica. A possibilidade mais forte nesse momento é que uma colisão leve com um ônibus, ocorrida mais cedo no mesmo dia, tenha danificado o sistema de freios, que falhou na descida da ladeira. 

Mas está claro que, qualquer se tenha sido a causa específica desse acidente, o sistema de transporte que liga o centro do Rio de Janeiro às ladeiras do tradicional bairro tem problemas que todos conhecem, mas que ninguém soluciona. Na verdade, esse nem foi o primeiro acidente fatal por falhas mecânicas nos veículos. Em agosto de 2009, a professora Andréa de Jesus Rezende morreu em um incidente semelhante. 

Desde pelo menos 2008 existem decisões na Justiça que obrigam o Governo do Rio, que administra o sistema de bondes de Santa Tereza, a realizar reformas. No processo, movido pela Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (AMAST), o governo foi condenado a realizar diversos reparos, entre eles a reforma de estações, substituição de 4.600 m de fios de contato, recuperação de 8 quilômetros de via, reforma dos 14 bondes e da oficina de bondes e substituição do gradil sobre os Arcos da Lapa, entre outros.

O Governo alega ter investido R$ 14 milhões nos bondes desde 2007, incluindo equipamentos e recuperação das vias. Neste ano, já teriam sido gastos R$ 350 mil em manutenção e assistência técnica preventiva. No entanto, a reforma decidida em Justiça ficou pela metade. Dos 14 bondes apenas 7 foram reformados. Apesar de todo o valor contratado ter sido pago, o serviço ficou pela metade e as reformas receberam críticas da população. O veículo acidentado não tinha passado por essa reforma.

Além disso, apesar dos alegados investimentos, não faltam denúncias de que o sistema continua precário como sempre. A associação de moradores (aqui, a AMAST relata a luta pela reforma dos bondes) e o sindicato de condutores denunciam que o perigo aos passageiros continuam presentes. A experiência de usuária me levou à mesma conclusão. Em abril deste ano, usei o serviço de bondes pela primeira – e última – vez.

A experiência contou com tantos problemas que decidi não voltar a usar o bonde. A espera foi de mais de uma hora, já que as partidas aconteciam a cada 30 minutos apenas. Todos os veículos saíam lotados, com muito mais pessoas do que o recomendável. Compreensível, já que o bonde não é apenas turístico, mas um meio de transporte dos moradores da região. Logo na saída da estação, o bonde passa por um portão estreito, que passa a centímetros da cabeça dos que vão em pé nos estribos. As grades de proteção dos Arcos da Lapa estavam enferrujadas. Apesar da baixa velocidade, o trem chacoalhava o suficiente para derrubar uma pessoa que vacilasse por um segundo. Há quem aprecie a aventura, mas é disso que se trata: uma aventura. 

Fuga da responsabilidade

Por todos esses problemas – e outros que usuários diários conhecem muito melhor – a declaração dada pelo secretário Estadual de Transportes do Rio de Janeiro, Julio Luiz Baptista Lopes, chega a ser um desrespeito à população. Ele afirmou, ainda no sábado, que se preocupava com a superlotação dos bondes, mas que era um “fenômeno cultural”. Ele deu a entender, ainda, que os bondes saem da estação Carioca (no Centro) com a lotação estipulada (34 pessoas sentadas e 4 em pé), mas que outros usuários embarcam na composição em movimento.

Qualquer pessoa que use o bonde sabe que isso não é verdade, mas sim uma explicação formulada às pressas para escapar de perguntas incômodas. As composições saem completamente lotadas da estação Carioca, porque ninguém quer esperar 30 minutos pelo próximo. Andar no bonde em pé só poderia ser considerado “fenômeno cultural” no momento em que houvesse bondes suficientes para atender à demanda, ou seja, para permitir que todos viajassem com segurança. Sem isso, a responsabilidade do Estado é total.

De mesma forma, em nenhum momento a Secretaria de Transportes assumiu a responsabilidade pelo acidente, apesar de todas as falhas no gerenciamento dos bondes. Esse posicionamento é covarde e só faz pensar que, não importa o que a investigação mostre, qualquer problema revelado será escondido, como aconteceu no acidente de 2009.