Davos busca Lula para fugir da irrelevância, diz ativista

Diretor do Ibase explica por que o dissenso é uma virtude no FSM e prevê maiores desafios pela frente

Em 2008, dia de ação global teve manifestações no mundo todo. Em 2010, FSM será descentralizado, mas eventos serão mais conectados (Foto: Lucivaldo Sena/Agência Pará)

A decisão do Fórum Econômico Mundial de homenagear o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 29, como personalidade do ano, é uma tentativa para não correr o risco de ser insignificante em 2010, diz Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Ele vê o movimento dentro de uma contínua tentativa de aproximação dos empresários reunidos em Davos, na Suíça, de se aproximar de Lula e de uma agenda social, voltada a questões para além do lucro. O presidente brasileiro também vai à capital gaúcha, no dia 26.

O dirigente da entidade apresenta suas expectativas para o FSM 10 anos, realizado de 25 a 29 de janeiro em oito municípios da região metropolitana de Porto Alegre, palco das primeiras edições e referência no movimento que luta por “outro mundo possível”. Apesar do simbolismo, ele lembra que o evento é apenas o primeiro de 27 eventos preparatórios rumo a Dacar, capital do Senegal, em 2011.

O ativista acredita que a mudança na agenda do Fórum de Davos é um efeito do FSM. “Em luta política, o aparecimento de alguém que contesta obriga o contestado a melhorar. O primeiro resultado (do FSM) foi melhorar o adversário antes de ganhá-lo”, sustenta. “O cinismo não foi inventado pelo fórum de Davos, mas era para lá que iam os cínicos, os responsáveis pela gestão destrutiva e concentradora dos recursos naturais e o modelo de desenvolvimento predatório que ganha tentáculos mundiais com a globalização. Essas pessoas não mudam de um dia para o outro”, ressalva.

O destaque do FSM de Porto Alegre neste ano, na visão de Grzybowski, é o seminário de reflexão sobre as conquistas da primeira década de FSM e a projeção para o futuro. A série de debates é convocada pelo “velho grupo” de entidades do comitê organizador do Fórum Social Mundial de 2001, organizadores do Fórum Social Mundial, formado pela Associação Brasileira de ONGs (Abong), Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos (Attac, na sigla em francês), Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Cives, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ibase, Movimento dos Tarbalhadores rurais Sem Terra (MST) e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

Ele defende ainda a importância do FSM manter-se como um espaço aberto de discussão de ideias e troca de experiência. “Todos os que defendem uma declaração final ou uma agenda centralizada estão sempre participando e defendem as mudanças no espaço do Fórum”, questiona Grzybowski. “Não conseguiram emplacar isso, porque no FSM tem também outras ideias. O dissenso no Fórum não é um problema, é uma virtude em um certo sentido”, reflete.

Entrevista

Cândido Grzybowski

diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Confira os principais trechos:

RBA – Qual é a expectativa para o FSM 10 anos?

O Fórum não é apenas a avaliação dos 10 anos, é um evento com sua dinâmica metropolitana. Mas acabou também atraindo mais interesse e mais gente pelo simbólico que tem Porto Alegre. O que há de específico é que o velho grupo, formado por entidades “históricas” do FSM – CUT, Ibase, Abong, MST, Cives, Comissão Brasileira de Justiça e Paz – convidaram ativistas envolvidos e engajados desde o início para refleti-lo daqui para frente. É uma atividade auto-organizada de um evento Fórum que é o primeiro entre vários rumo a Dacar.

“Começamos dizendo que “outro mundo é possível”; hoje, ele é necessário. O Fórum procura favorecer uma inteligência coletiva na análise dos problemas, desafios e possibilidades, mas ele em si não é a construção desse “outro mundo”. É um espaço complexo e dinâmico, uma onda que foi tomando o mundo e ainda tem muito a fazer” – Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

O convite teve uma boa adesão, a programação está interessante e vai dar bons debates. A participação local não sei como vai ser. O comitê local espera de 20 mil a 30 mil pessoas.

RBA – Qual a importância de a sede ser Porto Alegre?

É importante pelo simbolismo de ser a décima edição, em um contexto em que Davos continua existindo. Essa reflexão mostra o quanto ganhamos nesses dez anos. Começamos dizendo que “outro mundo é possível”; hoje, ele é necessário. O Fórum procura favorecer uma inteligência coletiva na análise dos problemas, desafios e possibilidades, mas ele em si não é a construção desse “outro mundo”. É um espaço complexo e dinâmico, uma onda que foi tomando o mundo e ainda tem muito a fazer.

Esse desafio de como contribuir melhor para essa inteligência coletiva e para uma nova agenda é decisiva de superar os impasses que essa crise (que eclodiu em setembro de 2008) revelou.

RBA – A previsão de participantes bem inferior ao que foi Belém, quando 150 mil compareceram.

Sim, mas sem a pretensão de ser o evento único do Fórum, é um dentro de uma série. Em vez de ter um dia comum (como foi em 26 de janeiro de 2008), resolvemos conectar os fóruns. No último dia desse seminário, serão apresentados os vários eventos ao longo do ano, com uma ligação entre eles. Cada um tem questões específicas, influenciadas pela mobilização que o provoca, e também uma espécie de motivação rumo ao fórum de 2011 na cidade de Dacar, no Senegal.

RBA – O Fórum de Davos permanece, mas se transformou bastante. Neste ano, uma pesquisa publicada pela organização traz análises de figuras ligadas ao FSM, como Frei Betto e representantes da Cáritas. Como o senhor vê essas mudanças?

“O cinismo não foi inventado pelo fórum de Davos, mas era para lá que iam os cínicos, os responsáveis pela gestão destrutiva e concentradora dos recursos naturais e o modelo de desenvolvimento predatório que ganha tentáculos mundiais com a globalização. Essas pessoas não mudam de um dia para o outro” – Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Tem a ver com o FSM. A crise econômica tem uma dinâmica que extrapola a relação entre os eventos. Contraditoriamente, em luta política, o aparecimento de alguém que contesta obriga o contestado a melhorar. O primeiro resultado (do FSM) foi melhorar o adversário antes de ganhá-lo. Para negar que só tratavam de negócios, passam a melhorar sua agenda, o que era notado já no segundo fórum, em 2002 – porque em 2001 foram pegos de calça curta, quando iam já pelo trigésimo ano de realização.

Depois, vieram os atentados às torres gêmeas, agora a crise. No Fórum de Belém, a revista The Economist, que é uma publicação bem liberal, avaliava que, enquanto Davos vivia um clima de velório, a capital do Pará tinha ambiente de festa, de vibração e de esperança.

Estão aprofundando essa busca por uma agenda melhor para não ficar para trás. Ao mesmo tempo, muitos dos que participam do Fórum Econômico passam a não se interessar nisso. O cinismo não foi inventado pelo fórum de Davos, mas era para lá que iam os cínicos, os responsáveis pela gestão destrutiva e concentradora dos recursos naturais e o modelo de desenvolvimento predatório que ganha tentáculos mundiais com a globalização. Essas pessoas não mudam de um dia para o outro, não sei se aceitam a análise de um Frei Betto.

O fato é que se desmontaram os argumentos daquela certeza (da defesa do modelo neoliberal). O FSM ajudou a insistir que havia outras questões, outras agendas a considerar, caso contrário, o resultado seria um desastre. E o desastre aconteceu.

Assim como nós temos dúvidas sobre o que vem pela frente, eles têm muito mais. Os temas que não estão nas agendas são o grande desafio para nós e para o outro lado. Davos só consegue se justificar e manter em parte seu poder se conseguir responder aos desafios que, em minha opinião, serão cada vez maiores.

RBA – O que Davos busca com o convite a Lula, premiado como personalidade do ano de 2009?

“Lula pode ajudá-los a não ficar de todo insignificantes como fórum, porque em 2009 não se deu notícias. Neste, o fato de Lula ir lá é notícia” – Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Desde que Lula apareceu, eles têm feito esforços de aproximá-lo. No início, acredito que com a ideia de convertê-lo e, hoje, porque me parece ser uma personalidade inconteste no mundo – é mais contestado internamente. Pela primeira vez, darão um prêmio personalidade do ano, e não é certo de que repetirão em outras ocasiões.

Há um reconhecimento e um esforço de se mostrar próximos a uma agenda mais social, além de um fato incontornável de que Lula é uma grande personalidade mundial. Lula pode ajudá-los a não ficar de todo insignificantes como fórum, porque em 2009 não se deu notícias. Neste, o fato de Lula ir lá é notícia. Mas ele também vai a Porto Alegre.

RBA – Algumas personalidades que frequentam o FSM defendem que se ultrapasse a ideia de espaço aberto e sejam assumidas posições. Como o senhor vê essa questão?

Tem de ser um espaço aberto, senão são eliminados os que têm visão diferente disso. Qual posição adotar, da Via Campesina ou da CUT ou dos movimentos feministas? O segredo do Fórum é tentar criar uma cultura em que o diálogo entre movimentos seja a sua característica. Não se nega a legitimidade de defesa de sua própria agenda, porque isso é tarefa de cada um, responsável por realizar ações nos locais em que está. O Fórum é uma forma de avaliar como está nosso campo e por onde andamos, formas de trocarmos experiências, conhecimentos e visões estratégicas.

Agora, sobre como implementar esse diagnóstico, não quero dizer a bolivianos e indianos como devem fazer. Mas entender as experiências deles ajuda a pensar maneiras de interferir na agenda brasileira.

A ideia do Fórum como diálogo e trocas é estratégica. E todos os que defendem uma declaração final ou uma agenda centralizada estão sempre participando e defendem as mudanças no espaço do Fórum. Não conseguiram emplacar isso, porque no FSM tem também outras ideias. O dissenso no Fórum não é um problema, é uma virtude em um certo sentido.