Carros como padrão de locomoção: impossível defender

Apesar de dependência econômica, Brasil tem que achar caminhos para diminuir o uso de automóveis (Foto: Cesar Ferrari/Reuters) Às vésperas do Dia Mundial sem Carro, quando o mundo debate formas […]

Apesar de dependência econômica, Brasil tem que achar caminhos para diminuir o uso de automóveis (Foto: Cesar Ferrari/Reuters)

Às vésperas do Dia Mundial sem Carro, quando o mundo debate formas de diminuir o uso de automóveis particulares, um artigo publicado no site UOL Carros chama a atenção. Nele, o autor – Fernando Calmon – defende que a ideia de diminuir a circulação de carros nas cidades nos levará de volta ao padrão de deslocamento século XIX. Usando de argumentos caros à indústria automobilística, ele ignora os malefícios do carro e, veladamente, chama aqueles que querem diminuir a circulação de veículos particulares de antiquados.

Escrevo aqui sobre esse artigo não como uma crítica ao autor, nem porque o texto causou qualquer tipo de polêmica. O que me motiva é que os argumentos usados são por vezes repetidos por pessoas comuns, que ficam presas no congestionamento e mesmo assim defendem o uso do carro. Só que existem outras lógicas que podem ser seguidas em relação à mobilidade e é importante que elas sejam debatidas.

Em resumo, os argumentos apresentados são que os carros são os bens de consumo que mais arrecadam impostos no país, desde a produção até o fim da vida útil e que os congestionamentos não são causados pelo excesso de carros, mas sim pela falta de vias para que eles passem e pelos limites mais baixos de velocidade. O texto completo está aqui

Em primeiro lugar, é verdade que carros são grandes pagadores de impostos. Mas isso não é um problema. Ao contrário, é assim que tem que ser. E isso porque qualquer gestor público conhece os prejuízos que o uso intensivo de automóveis causam às cidades. O que é curioso é que os empresários do setor, que vivem pedindo – e às vezes conseguindo – redução de impostos que incidem sobre a fabricação de veículos, usem o argumento dos impostos para justificar um impulso ao seu uso. Ora, se dependesse deles, os empresários, não haveria qualquer imposto sobre a fabricação e venda de veículos. Justificar a importância dos carros justamente por conta dos impostos não parece fazer muito sentido vindo desse setor especificamente. Mas sigamos

Além disso, está claro que os impostos arrecadados com os carros não são suficientes para financiar o aumento e a melhoria da infraestrutura de transportes públicos nas cidades brasileiras. Claro que o problema não é apenas de volume de recursos, mas na prioridade de sua aplicação. Em São Paulo, cerca de R$ 1 bilhão foram gastos na ampliação da Marginal Tietê há dois anos. O mesmo recurso poderia ter sido usado para outros fins. Isso é uma política de governo deliberada para privilegiar os carros particulares. Se um dos objetivos é manter a arrecadação do IPVA e multas em alta, cabe a nós decidirmos, votando, se a política é adequada, e não usar uma consequência dela (a alta arrecadação) para justificar sua perpetuidade.

Ainda nesse assunto, é verdade que a indústria automobilística é importante para a economia brasileira. Mais importante do que deveria ser. Durante a crise de 2009, o país cortou impostos dos carros para manter a economia aquecida. É, sim, um dos setores mais importantes da indústria nacional. Só que isso é errado. Um país não pode depender de apenas um setor para manter seu crescimento. A diversificação da indústria nacional é fundamental para o futuro do país. É até possível dizer que isso está acontecendo – a indústria naval em reconstrução é um exemplo – mas a marcha dessa mudança é lenta. O pragmatismo governamental pode levar a um estímulo à produção de carros, mas o caminho para o futuro tem que ser diferente.

E tem que ser diferente por um motivo muito simples. Carros demais são maléficos. Eles aumentam a poluição do ar e sonora, causam doenças, usam um espaço público que acaba sendo negado para quem está a pé. Acidentes automobilísticos causaram, apenas em julho de 2011, mais de 14 mil mortes no país. Não existe mais governante ou aspirante a cargo público que discurse sobre os benefícios dos carros. Imputar a fatores externos esses problemas é desonestidade ideológica. A tendência mundial, hoje, é de devolver a cidade para as pessoas, fazer com que serviços estejam disponíveis à distância de uma caminhada. Isso é impossível quando as ruas e avenidas precisam ser largas para os carros e atravessar vira uma aventura. Os motivos para diminuir o número de carros nas cidades são muitos. Já razões para manter seu uso em alta estão em falta.