Reformas de aeroportos têm problemas, mas Copa não está ameaçada

(Foto: Divulgação) Este é um blog sobre planejamento urbano e não tinha a intenção de fazer crítica de mídia. Mas as matérias veiculadas ontem por veículos de todo o país, […]

(Foto: Divulgação)

Este é um blog sobre planejamento urbano e não tinha a intenção de fazer crítica de mídia. Mas as matérias veiculadas ontem por veículos de todo o país, baseadas em uma Nota Técnica publicada pelo  Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) sobre as reformas de aeroportos são, no mínimo, exageradas. No afã de criticar, alguns fatos passaram ao largo dessas matérias, que diziam que os aeroportos não estarão prontos para a Copa do Mundo de 2014. Essa conclusão é só um pouco verdadeira. O curioso é que há motivos aos montes na nota pra criticar os responsáveis pelos aeroportos, mas tudo o que li passava uma informação equivocada e facilmente verificável dos dados do relatório, de que a Copa está ameaçada. Vou tentar mostrar aqui uma leitura mais equilibrada dos dados, mas como tampouco sou infalível, deixo o link para a Nota Técnica do Ipea que gerou essas notícias. Basta clicar na figura ao lado.

O Ipea, fundação pública federal ligada à Presidência da República, soltou ontem (14) essa Nota Técnica sobre o andamento das obras nos aeroportos das principais cidades do país, chamada Aeroportos no Brasil: investimentos recentes, perspectivas e preocupações. Imediatamente pipocaram manchetes nos portais que diziam que os aeroportos não estariam prontos para a Copa do Mundo. Essa é, em parte, a conclusão da nota, mas outras informações também são importantes, que seguem:

1 – As obras de expansão de terminais de passageiros não devem ficar prontas até a Copa. Mas as obras nas pistas, pátios e terminais provisórios sim. Ou seja, os aviões terão onde pousar, de onde decolar e lugar para taxiar. Os passageiros também terão onde embarcar e desembarcar. A única questão é que não serão em terminais definitivos, mas sim em estruturas montadas provisoriamente. Isso significa que a segurança dos passageiros estará em ordem. O problema será de conforto. As estruturas provisórias ainda não existem, o que torna uma avaliação a esse respeito impossível por enquanto.

2 – A nota técnica do Ipea conclui que, provavelmente, as obras não estarão prontas em 2014 levando em consideração o ritmo normal de execução de projetos desse nível no país. A questão é que eventos como a Copa do Mundo têm como uma das finalidades – além de fazer publicidade do país sede – agilizar a execução de obras que aconteceriam de qualquer maneira. Copa e Olimpíada são estratégias dos governantes para que as coisas de fato aconteçam. Isso não tem relação alguma com o ‘jeitinho brasileiro’. Em Londres, sede da Olimpíada de 2012, o projeto de revitalização de Hackney e Stratford só decolou por conta dos Jogos. A região era um buraco negro urbano, com imensas dificuldades de infraestrutura. Apesar de localizada próxima ao centro, a densidade populacional era baixa e os índices sociais, uma vergonha. Sem a Olimpíada, é provável que não houvesse dinheiro e nem consenso para que as mudanças acontecessem.

Isto posto, quero deixar claro que essa estratégia de acelerar obras com grandes evento mundiais é discutível. O mundo acadêmico tem debates ferrenhos entre os defensores e os detratores desse tipo de ação. Uma das maiores críticas é o fato de que, com um prazo curto no horizonte, a participação popular no projeto é pequena, inexistente ou ainda apenas pro-forma. Apesar de soar utópico para nós no Brasil, em boa parte da Europa qualquer grande projeto que atinja a população tem que ser debatido com os moradores. O fato de haver protestos em relação à remoção das comunidades que vivem perto das obras olímpicas no Rio de Janeiro é um exemplo disso. A população não foi consultada, não houve negociação, apenas remoção. Pelo menos os aeroportos são infraestruturas básicas e dificilmente alguém se oporia às obras.

Isso tudo para dizer que, se alguém encomendou esse estudo, era para ter pé da situação dos aeroportos e poder agir para melhorar. Não há motivos para supor que o andamento das obras continuará no mesmo ritmo. Claro que esse também é um fato preocupante. Agilidade na liberação de relatórios técnicos e ambientais e nas licitações e aumento das verbas é uma combinação explosiva em um país com pouca tradição na atenção aos gastos públicos. Os tribunais de contas da União e dos Estados são os únicos órgãos que atuam com esse objetivo e, com tantos projetos simultâneos, poderão ter dificuldades operacionais. Esse sim é um tema importante de debate se não quisermos ver o orçamento da Copa e dos Jogos Olímpicos explodir como aconteceu com o do Pan-2007.

3 – Outra informação importante da nota é que, se os cálculos sobre aumento da demanda por transporte aéreo estiverem corretos e todas as obras fiquem prontas em 2014, ainda assim haverá déficit na capacidade total dos aeroportos do país. A capacidade de passageiros com as novas obras será de 148,7 milhões, enquanto a demanda será de 151,8 milhões. Até onde pude entender, essa demanda é apenas interna e não calcula o aumento de passageiros por conta da Copa. Isso é preocupante. É preciso investigar se os projetos de reforma dos aeroportos são flexíveis e comportam algum aumento na capacidade.

Aeroporto de Goiania, antes da Copa (Foto: Divulgação)Ao mesmo tempo, é bom lembrar que hoje as taxas de ocupação dos aeroportos já ultrapassam – e muito – a capacidade instalada. De acordo com o estudo, considera-se que o limite de eficiência operacional de um aeroporto corresponde a 80% de sua capacidade nominal. Um aeroporto que tenha capacidade para 5 milhões de passageiros ao ano é considerado adequado quando transporta 4 milhões. Em 2010, apenas Galeão (RJ), Salvador (BA) e Recife (PE) estavam dentro do nível normal. Mais 3 aeroportos operavam entre 80% e 100% da capacidade: Curitiba (PR), Belém (PA) e Santos Dumont (RJ). Todos os outros 14 principais aeroportos operamvam em 2010 em situação crítica, ou seja, acima de 100% da capacidade. São eles: Guarulhos (SP), Congonhas (SP), Campinas (SP), Brasília (DF), Confins (MG), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Florianópolis (SC), Vitória (ES), Natal (RS), Goiânia (GO), Cuiabá (MT) e Maceió (AL). A projeção para 2014 é que apenas os aeroportos de Manaus, Campinas e o Galeão, no Rio de Janeiro, operarão abaixo de 80% da sua capacidade. Todos os outros superarão os 100%.

Daí saem duas conclusões. A primeira é que a melhoria da infra-estrutura dos aeroportos está apenas acompanhando o crescimento da demanda, e não consegue superá-la. O déficit de capacidade instalada deve diminuir um pouco até 2014, mas estará longe da capacidade ideal. A outra é que a situação dos aeroportos durante a Copa não deve ser pior do que a de hoje. A projeção é que os problemas serão da mesma ordem. E por mais que possamos criticar o funcionamento dos aeroportos hoje, a crise de 2006 passou e não parece que voltará. Nos últimos tempos, os problemas de atrasos em voos no Brasil têm sido causados pelas empresas – que não têm tripulação suficiente para atender à demanda – e não pela infraestrutura em si. Esse é um problema mais fácil de ser resolvido. Vou reiterar: essa relativização não quer dizer que eu ache adequado que os aeroportos não ampliem sua capacidade de acordo com a demanda. Está errado. Meu ponto é que, de acordo com esses dados, o país não vai parar na Copa, pelo menos não por culpa dos aeroportos.

4 – Meu último ponto é que os projetos de reforma dos aeroportos no país parecem ser elaborados por pessoas sem qualificação técnica. O estudo descreve a situação da reforma de dois aeroportos em detalhes, Vitória e Goiânia. Em relação à Vitória, diz a nota:

As obras foram iniciadas em fevereiro de 2005, mas foram interrompidas em junho de 2008, quando o TCU constatou irregularidades. No final de 2009, a Infraero rescindiu o contrato com a empreiteira responsável pelas obras. A publicação de um novo edital, para contratação de outra empresa, está prevista para março de 2011. A capacidade atual do aeroporto de Vitória-ES é de 560 mil passageiros por ano. Em 2010, o aeroporto recebeu 2,6 milhões de passageiros, ou seja, mais de quatro vezes a sua capacidade. O plano de investimentos já está defasado, pois prevê o aumento da capacidade para 2,1 milhões de passageiros”

Já sobre Goiânia, o estudo afirma:

Aeroporto de Goiania, antes da Copa (Foto: Divulgação)“Em 2006, em auditoria realizada na obra de construção do novo aeroporto de Goiânia-GO, o TCU encontrou projeto básico deficiente, sobrepreço de mais de R$ 73,5 milhões e inexistência de projetos de engenharia atualizados. As reformas no aeroporto de Goiânia-GO foram paralisadas em abril de 2007 por iniciativa do consórcio responsável, depois de retenções cautelares aplicadas pela Infraero. Foram feitas tentativas de pactuação contratual com base em preços apresentados pelo TCU, mas o consórcio não entrou em acordo e acionou a Infraero judicialmente. Em 2010, o contrato foi suspenso. Segundo informações do TCU,  os recursos previstos não foram transferidos aos empreendimentos, uma vez que não existiam contratos em execução, inexistindo pagamentos ou execução física em 2009 e 2010. Atualmente, o processo de rescisão judicial está na fase de realização de perícia, que definirá o que é ou não devido ao consórcio executor das obras. Mesmo com a perícia técnica pronta, as partes ainda podem divergir quanto aos valores, e o processo pode levar ainda mais tempo para ser concluído. A longa paralisação de algumas obras poderá requerer demolições.”

Por deficiências graves nos projetos, ambas as reformas estão paradas. Isso mostra a falta de capacidade de investimento do setor público. É sabido que a década de 90 foi um túmulo para o investimento público e que no início dos anos 2000 os funcionários estavam aprendendo outra vez como realizar. Sim, porque os projetos não são feitos pelos governos, essa entidade onipotente. São pessoas que fazem acontecer, pessoas que têm deficiências de formação e treinamento. Na minha opinião, se na década de 90 o problema era dinheiro, hoje as dificuldades de investimento devem muito à falta de pessoal técnico no serviço público. Esse é outro debate que deve ser levado adiante o mais rápido possível se não quisermos ver o país tropeçando nas proprias pernas quando o assunto é investimento público.

 

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