Jornalista romanceia o desaparecimento de Rubens Paiva

Capa do livro de Jason Tércio (Foto: Divulgação) Foi lançado recentemente o livro “Segredos de Estado – O Desaparecimento de Rubens Paiva” (Editora Objetiva), do jornalista Jason Tércio. A obra […]

Capa do livro de Jason Tércio (Foto: Divulgação)

Foi lançado recentemente o livro “Segredos de Estado – O Desaparecimento de Rubens Paiva” (Editora Objetiva), do jornalista Jason Tércio. A obra prima pela quantidade de registros históricos e informações, mas peca justamente por utilizá-los numa narrativa bastante romanceada e repleta de idas e vindas. Desse modo, algumas passagens muito fortes e/ou belas se confundem com outras em que é difícil acreditar na riqueza de detalhes descrita pelo narrador.

Sem dúvida, trata-se de um importante documento de uma das páginas mais terríveis da história do Brasil – a ditadura militar e seus inúmeros desaparecidos políticos. O então deputado Rubens Paiva teve a casa onde morava com a família no Rio de Janeiro invadida por membros do regime militar em 20 de janeiro de 1971. Ele foi levado sem mandado de prisão, sob a suspeita de que saberia de informações que poderiam indicar o paradeiro do capitão Carlos Lamarca; passou a ser extremamente torturado; até ser morto e enterrado atrás de uma delegacia. Para evitar que a atrocidade que haviam cometido viesse à tona, os tais militares resolveram implantar uma história na imprensa de que Rubens Paiva teria conseguido fugir espetacularmente.

Em meio a uma narrativa não linear, Jason Tércio conta basicamente sete momentos distintos e igualmente importantes na história de Rubens Paiva. São eles: a participação dele no então governo João Goulart, que resultará no golpe militar em 1964, abordando questões como a tão almejada reforma agrária; o início do regime militar e a cassação dele como deputado federal; o autoexílio forçado na Iugoslávia e na Inglaterra; a volta ao Brasil e o momento em que é pego para depor no Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro; a tortura, descrita com todos os requintes de crueldade extremamente detalhados – algo quase insuportável de se ler –; a morte na mão dos torturadores; e angústia da procura realizada pela família.

Um dos momentos mais belos narrados é aquele em que Rubens Paiva explica para a esposa Eunice que “todo governo autoritário chama de terrorista a oposição mais radical, que pega em arma” e cita o caso da oposição alemã contra o nazismo e Nelson Mandela na África do Sul. Mais adiante, quando deixa o país rumo à Europa, num auto-exílio forçado, o então deputado caçado escreve uma carta tocante para os filhos: “É que no nosso país existe uma porção de gente muito rica que finge que não sabe que existe muita gente pobre, que não pode levar as crianças à escola, que não tem dinheiro para comer direito e às vezes quer trabalhar e não tem nem emprego. O papai sabia disso tudo e quando foi deputado começou a trabalhar para reformar o nosso país e melhorar a vida dessa gente pobre. Aí veio uma porção daqueles muito ricos, que tinham medo que os outros pudessem melhorar de vida e começaram a dizer uma porção de mentiras. Disseram que nós queríamos roubar o que eles tinham: é mentira! Disseram que nós somos comunistas que queremos vender o Brasil – é mentira! (…) Vocês vão ver que o papai tinha razão e vão ficar satisfeitos do que ele fez”.

“Segredos de Estado – O Desaparecimento de Rubens Paiva” é, portanto, uma obra desigual, que, ao mesmo tempo em que contribui de modo importante para resgatar um momento conturbado do Brasil, peca por romanceá-lo em demasia. Mesmo assim, a leitura é recomendada principalmente para aqueles que desejam ter novos elementos para decifrar essa história ou conhecê-la pela primeira vez.