Compromisso selado

Indígenas participarão da governança, anuncia Lula na COP27. ‘Obrigação de fazer a reparação’

Presidente eleito participa de Fórum Internacional dos Povos Indígenas, recebe demandas e reitera compromissos. E cobra mais representação indígena na conferência da ONU

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
As lideranças indígenas brasileiras, que acompanhavam a reunião, entregaram um documento com as demandas dos povos originários do Brasil

São Paulo – O presidente eleito Luiz Inácio Lula da SIlva (PT) confirmou nesta quinta-feira (17) que seu terceiro mandato terá participação de indígenas na governança. Lula teve reunião com lideranças indígenas mundiais durante a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27. No encontro, o petista destacou que o Brasil tem “a obrigação moral, ética e política de fazer a reparação” ao que foi feito contra os povos originários desde a invasão portuguesa, em 1500. 

“Eu tenho o compromisso de fazer com que o Brasil possa servir de exemplo com uma política de parceria. Em que as pessoas não sejam tratadas como se fossem de segunda classe, recebendo dádiva do governo. O que eu quero é que os indígenas brasileiros participem da governança do meu país”, destacou Lula, que reiterou compromisso de criar o Ministério dos Povos Originários. Lula chegou à reunião de braços dados com lideranças indígenas que o saudaram com cantos ancestrais.

O presidente eleito, que já havia discursado ontem no mais relevante evento internacional sobre as mudanças climática, onde cobrou dos países ricos o cumprimento das promessas de investimento em relação ao meio ambiente, cutucou novamente as lideranças globais ao criticar a marginalização da sociedade civil e movimentos sociais para fora da institucionalidade das reuniões da COP. Quando, de acordo com Lula, os povos originários dos cinco continentes deveriam ser centrais para a tomada de decisões. 

Dedo na ferida

“Participei de todas as reuniões do G8 quando fui presidente da República e de todas as reuniões do G20 depois da crise de 2008. E a coisa que mais sentia é que não se falava dos problemas da sociedade nessas reuniões. Quando se reúnem os presidentes dos países ricos, as pessoas pobres não existem, os indígenas não existem, a periferia não existe. Porque esse não é um assunto levado para a mesa de discussão”, contestou Lula. 

“Muitas vezes as decisões são tomadas sem passar por discussão na sociedade e não são cumpridas. Quantas decisões já se tomaram e quantas não se cumpriram? Quantos planos de desenvolvimento do milênio já foram feitos e não foram cumpridos?”, acrescentou. 

Ao lado das lideranças indígenas Sônia Guajajara (Psol-SP) e Célia Xakriaba (Psol-MG), eleitas deputadas federais, Lula aproveitou para criticar o tratamento interno do Brasil dirigido aos povos originários. O presidente eleito rebateu, por exemplo, as reclamações de grandes proprietários de terras que questionam que 14% do território nacional seja propriedade indígena. 

Recado ao Brasil

“Eles se esquecem que os indígenas ocupavam os 8,5 milhões de quilômetros quadrados, que é o tamanho do nosso país. E que não foram os indígenas que invadiram nada, mas os brancos que invadiram as terras indígenas”, afirmou. O próximo governo, segundo ele, trabalhará para mudar a impressão que o Estado está fazendo um “favor” aos povos tradicionais. É preciso garantir o direito de sobreviver, de plantar, trabalhar, conservar a água limpa para que os indígenas possam pescar e sobreviver, observou Lula. 

Sem citar o nome do atual presidente, ele também criticou a licença dada aos garimpos ilegais que estão destruindo florestas, reservas e terras indígenas. “A troco do quê? Do enriquecimento de um ou de outro e do empobrecimento das nações indígenas”, lamentou Lula. 

“Por isso que estou criando o Ministério dos Povos Originários. Por isso que vamos ter uma saúde pública especial, quem sabe, se Deus quiser, dirigida pelos próprios indígenas. Quem sabe a Fundação Nacional do Índio (Funai), que existe no Brasil há muito tempo, precisa ter na direção não um branco, mas uma mulher ou homem indígena. Para que a gente mude a compreensão sobre as pessoas, para que a gente não veja um indígena como um estorvo ao desenvolvimento da sociedade, como se fosse alguém que estivesse atrapalhando o desenvolvimento econômico de um país”, defendeu Lula. 

Cúpula da Amazônia

Aos 77 anos, completados no último mês, o presidente eleito também destacou o encontro com o Fórum Internacional dos Povos Indígenas como uma das reuniões mais importantes de sua vida política. Lula também anunciou que realizará no Brasil a Cúpula da Amazônia, com todos os 9 países que detêm os limites da floresta, no próximo ano. O objetivo, de acordo com o petista, é formular uma proposta conjunta ao mundo pela preservação do bioma. 

Mas os países amazônicos também irão questionar “quanto vão nos pagar para a gente cuidar do planeta terra que muita gente não cuidou quando poderia cuidar”, disparou Lula. “E não é fazendo favor a ninguém, mas a nós mesmos. O mundo precisa de cuidado, de água limpa, floresta preservada, da nossa fauna. E ninguém melhor do que os indígenas para cuidar. Nós sabemos que eles são responsáveis por cuidar de quase todas as florestas existentes no mundo”, comentou Lula, ao final do evento.

Demandas indígenas

As lideranças indígenas brasileiras, que acompanhavam a reunião, entregaram, por sua vez, um documento com as demandas dos povos originários. Elas também pediram ao presidente eleito prioridade nos 100 primeiros dias de governo a cinco processos de demarcação de terra concluídos no final do governo de Dilma Rousseff (PT), mas devolvidos depois ao Ministério da Justiça e a Funai. 

Sônia Guajajara também requereu a retomada do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas (CNPI), paralisado por Bolsonaro. A deputada eleita conduziu a reunião em que se deteve a destacar a luta dos povos indígenas durante os últimos quatros anos. Ela lembrou que as políticas indigenista e ambiental foram desmontadas e que os órgãos de fiscalização e controle, como Funai, Ibama e ICMBio estão sucateados. Mas destacou que a situação dos povos indígenas só não foi pior por conta da mobilização dessas populações. 

A líder indígena também pediu a Lula que interceda na lei anti-desmatamento que vem sendo discutida na Europa prevendo apenas a proteção da Amazônia, quando todos o biomas brasileiros estão sendo alvos do avanço das fronteiras agrícolas. 

Governo de implementação

“Seguimos com as nossas mobilizações e, em 2022, chegamos com a proposta de aldear a política e conseguimos eleger duas deputadas indígenas para compor a Bancada do Cocar. Vamos assumir o compromisso de levar para frente todo esse trabalho iniciado pela deputada Joênia Wapichana durante esses quatro anos tão difíceis que ela esteve à frente no Congresso Nacional. Uma voz importante e legítima fazendo esse enfrentamento direto ao pior governo da história do Brasil”, destacou Sônia. 

Primeira mulher indígena eleita deputada federal no país, Joênia (Rede-RR) também cobrou de Lula a promessa de que seu governo seja de implementação de políticas públicas. “Estamos com sede de justiça, correndo atrás do tempo perdido”, advertiu.