Escárnio

Rotina do garimpo ilegal em terra Yanomami é reproduzida no YouTube pelos próprios garimpeiros

Em canal na rede social, garimpeiro ilegal expõe filmagens de fugas e dribles à fiscalização em terra indígena e promove discursos racistas e promessas de voto em Bolsonaro

Chico Batata/Greenpeace
Chico Batata/Greenpeace
Área desmatada por garimpeiros ilegais: destruição na terra indígena


São Paulo – A rotina do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami é reproduzida no YouTube desde 2018 pelos próprios garimpeiros ilegais. Sem esconder o rosto, eles mostram como driblam a fiscalização com esconderijos na mata, expõem perseguições com tiros, e promovem discursos racistas e promessas de voto no atual presidente Jair Bolsonaro. As informações são da BBC News Brasil

De acordo com reportagem de João Fellet, os 120 vídeos ao todo, postados ao longo dos últimos três anos, coincidem com o período de forte crescimento da mineração ilegal em terras indígenas. Atualmente, na TI Yanomami, estima-se que existam até 20 mil garimpeiros, atuando de forma ilegal na extração do ouro e cassiterita. Um deles é Fábio Júnior Rodrigues Faria que se define como garimpeiro, mas diz ter a ambição de viver como youtuber. É dele o canal na rede social chamado “Fabio garimpo Junior” que mostra os garimpeiros à vontade diante das câmeras ainda que garimpar em terras indígenas seja crime passível de prisão. 

As imagens mostram como o garimpo no território Yanomami, que ocupa porções do Amazonas e de Roraima, ganhou uma escala industrial nos últimos anos. Há helicópteros e aviões privados transportando os garimpeiros até as minas ilegais. E máquinas pesadas abrem grandes clareias na Floresta Amazônia. A reportagem detalha ainda gravações em que rios são desviados para a exploração mineral e acampamentos que parecem minicidades, com eletricidade e internet. 

Racismo e fuga 

Em um dos vídeos, Faria mostra que mesmo as operações pontuais de fiscalização não são capazes de paralisar os trabalhos dos garimpeiros ilegais. Há esconderijos, como no garimpo do capixaba, um dos maiores na terra indígena, em que eles se escondem levando consigo o ouro extraído e os motores usados. O mesmo local que foi alvo de sucessivas operações nas últimas décadas – a última delas, em março de 2021, quando o Exército destruiu uma pista de pouso usada por garimpeiros. As imagens também revelam perseguições com tiros. Como um vídeo publicado em janeiro de 2020 com o título “Piloto no garimpo do Uraricoera tenta fugir do Exército brasileiro”. 

Nas gravações, o garimpeiro também faz diversas menções racistas aos indígenas, os quais chama de “raça de gente imunda”. “É uma raça de gente que não merece você nem dar um prato de comida para eles”, afirma. “São bandidos”. Os discursos de Faria também evocam posições do presidente Jair Bolsonaro a um público defensor da regulamentação da mineração em terras indígenas. “Muita gente crucifica o garimpeiro, (diz) que o garimpeiro é sem vergonha, mas em nenhum momento você vê que a Bíblia condena o garimpo”, diz ele. Faria, que também se declara bolsonarista, também critica as forças de segurança e garante torcer para que o presidente tome providências. “Espero que nosso presidente Bolsonaro veja isso”, afirma em um dos vídeos. 

Mais violência

Segundo a Hutukara Associação Yanomami, a área desmatada por garimpeiros dentro do território indígena cresceu 46% em 2021 em comparação com o ano anterior. À BBC News Brasil, um líder yanomami, que preferiu não se identificar por motivos de segurança, observou que a existência do canal mostra que os garimpeiros “não têm medo de ninguém”. “Eles não têm medo da PF (Polícia Federal), não têm medo de mostrar os rostos. Eles sabem que não vão responder absolutamente (por crimes), que não vão ser presos”, lamentou o indígena. 

Pela Constituição de 1988, a exploração mineral em terras indígenas só pode ocorrer se for regulamentada por leis específicas. Essas leis, contudo, jamais foram aprovadas, o que torna a atividade é ilegal. Procurado pela reportagem, o garimpeiro Fábio Júnior Rodrigues Faria não se manifestou sobre as denúncias. O YouTube, por outro lado, disse que o canal está “sob análise”. E que “conteúdos que incentivem a violência ou ódio contra pessoas” com base em características como etnia ou religião não são permitidos na plataforma. Mas a plataforma não comentou a exposição de cenas de garimpo ilegal na rede. 

BBC também questionou o Palácio do Planalto sobre o conteúdo e as menções dos garimpeiros a Bolsonaro, mas não houve resposta. No início de maio, relatório da Hutukara Associação Yanomami mostrou que a presença dos garimpeiros ilegais impõe uma rotina de terror sobre os indígenas. Além de vítimas de diversas formas de violência, entre elas, sexual contra crianças e mulheres indígenas, os Yanomami também têm a saúde abalada por conta do mercúrio usado para a exploração mineral. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou que 92,3% da população de uma aldeia da região estava contaminada com níveis altos do metal tóxico ao sistema nervoso central.