Dia da Terra

Vereador mostra na ONU iniciativa que reconheceu os direitos da natureza

Em participação na Assembleia Geral da ONU, o vereador de Florianópolis Marquito (Psol) falou sobre a aprovação de emenda de sua autoria que definiu a natureza como sujeito de direitos

wikimedia commons
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Cartão postal de Florianópolis, a Lagoa da Conceição está à beira do colapso devido à poluição. Ação na Justiça que pede medidas urgentes se baseia em seus direitos ao cuidado e preservação

São Paulo – A iniciativa inovadora de Florianópolis, primeira capital brasileira a inserir em sua lei orgânica uma emenda que reconhece os direitos da natureza, foi compartilhada nesta sexta-feira (22), Dia Internacional da Terra, durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O autor da emenda, o vereador Marcos José de Abreu (Psol), o Marquito, falou sobre a experiência legislativa e também como tem sido a sua aplicação em questões ambientais.

Aprovada em novembro de 2019, a emenda ao artigo 133 da lei orgânica estabelece que ao “município compete promover a diversidade e a harmonia com a natureza e preservar, recuperar, restaurar e ampliar os processos ecossistêmicos naturais, de modo a proporcionar a resiliência socioecológica dos ambientes urbanos e rurais, sendo que o planejamento e a gestão dos recursos naturais deverão fomentar o manejo sustentável dos recursos de uso comum e as práticas agroecológicas, de modo a garantir a qualidade de vida das populações humanas e não humanas, respeitar os princípios do bem viver e conferir à natureza titularidade de direito.”

Diz ainda, em seu parágrafo único, que o poder púbico “promoverá políticas públicas e instrumentos de monitoramento ambiental para que a natureza adquira titularidade de direito e seja considerada nos programas do orçamento municipal e nos projetos e ações governamentais, sendo que as tomadas de decisões deverão ter respaldo na Ciência, utilizar dos princípios e práticas de conservação da natureza, observar o princípio da precaução, e buscar envolver os poderes Legislativo e Judiciário, o Estado e a União, os demais municípios da Região Metropolitana com as organizações da sociedade civil.”

Lagoa como sujeito de direitos

A emenda foi usada como base da argumentação jurídica na ação civil pública movida pelo professor de Direito José Rubens Morato Leite, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e endossada por diversas entidades em defesa da Lagoa da Conceição.

Marquito, em seu escritório (Foto: Arquivo pessoal)

“Com isso, a gente levou juridicamente a Lagoa como sujeito de direitos, que tem voz, que está reivindicando seus direitos nesse crime ambiental. A emenda à lei orgânica colocou a necessidade de reestruturação de governança e de instrumentos que garantam o controle social nas tomadas de decisão sobre os aspectos que afetam a Lagoa”, disse o vereador à RBA. Marquito teria ido a Nova York participar pessoalmente, mas foi impedido por um teste positivo para covid-19.

Em junho passado, a Justiça Federal concedeu liminar que institui um sistema de governança ecológica envolvendo múltiplos atores para a defesa e preservação da Lagoa. E determinou a criação de uma câmara para assessorar a Justiça na adoção de medidas estruturais necessárias para a “integridade ecológica do ente natural através de uma governança judicial socioecológica”.

Cartão-postal de Florianópolis, a Lagoa da Conceição enfrenta o histórico problema do despejo de efluentes de maneira ilegal e sem tratamento nas suas águas. Estudos científicos demonstram que a lagoa está seriamente comprometida e tende a se agravar em futuro próximo, de modo irreversível, se nada for feito. Ou seja, vai entrar em colapso.

Em 25 de janeiro de 2021, uma barragem de evapoinfiltração da companhia de saneamento do estado de Santa Catarina se rompeu, espalhando toneladas de areia e matéria orgânica derivada de tratamento de esgoto. A inundação da área urbanizada flui em direção à Lagoa. O episódio, considerado o maior crime ambiental no estado, é citado na liminar como “caracterização da incapacidade reiterada de governança da Lagoa”.

Natureza vai ganhando direitos

Para o vereador Marquito, defender a natureza é defender a agroecologia. “Com possibilidade de produzir alimentos sem agrotóxicos, com a reciclagem orgânica, a gente está defendendo a natureza. Quando a gente fala em saneamento ecológico, a gente fala em proteção das abelhas nativas. Quando se fala na lei da compostagem, estamos falando nos direitos da natureza. A gente precisa caminhar cada vez mais para as soluções baseadas na natureza, porque é o caminho para a gente sair dessa crise profunda que a humanidade tem se colocado. Crise social, econômica, ambiental, de saúde mental, psicológica, por causa desse rompimento com a natureza, como se a natureza fosse algo a ser explorado como um recurso e não vista um sujeito, como um outro ser vivo”, disse.

Segundo a ONU, 37 países incluíram o tema da natureza enquanto sujeito de direitos no âmbito oficial e institiucional. Na América Latina, o Equador colocou em sua Constituição o reconhecimento dos direitos da natureza em 2008, a Bolívia, em 2010. O Chile, que está reescrevendo sua Carta, já aprovou capítulo do meio ambiente, que segue exemplo dos outros dois países. E aumenta o número de cidades mundo a fora que fazem o mesmo.

Há legislações aprovadas nesse sentido nos municípios pernambucanos de Bonito e Pau-d’alho, além de Florianópolis. Na cidade de São Paulo, a Câmara já aprovou emenda em todas as comissões. Há propostas ainda em Fortaleza, Salvador, Caitité (BA), Palmas (TO) e Anchieta (SC).


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