Depois de 7 meses

Instituto de Pesquisas Ambientais criado por Doria não sai do papel

Criado em junho passado a pretexto de “modernizar a gestão”, Instituto de Pesquisas Ambientais não recebeu pessoal nem condições para operar

SIMA/Divulgação
SIMA/Divulgação
Instituto de Botânica, que funcionava no Jardim Botânico, foi agregado ao IPA, novo órgão não foi estruturado

São Paulo – O Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) está com problemas para se estruturar desde sua criação pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O decreto 65.796, que cria o IPA, é de 17 junho de 2021, mas, desde então, pesquisadores relatam total instabilidade no trabalho, porque o instituto nem sequer possuiu sede própria, frota de veículos ou quadro de funcionários administrativos.

O novo órgão resultou da fusão dos Institutos Geológico e de Botânica e da extinção do Instituto Florestal pela Lei 17.293/2020. Os três institutos centenários eram responsáveis pela gestão das áreas protegidas do estado de São Paulo e por desenvolver conhecimento na área ambiental.

Segundo o governo, reunir as atividades de pesquisa das três unidades em uma nova estrutura tem como objetivo “modernizar a gestão e economizar recursos”. Entretanto, mais de 350 entidades e profissionais da comunidade científica e ambientalista assinaram a Moção em Defesa da Pesquisa Científica Ambiental do Estado de São Paulo. O documento, encaminhado ao governador, manifesta repúdio diante a essas ações governamentais. Além disso, considera retrocesso o desmonte da pesquisa científica sob o argumento da contenção de gastos.

“Estamos vendo danos intensos e, em alguns casos, permanentes no futuro da pesquisa”, denuncia o pesquisador João Paulo Feijão Teixeira, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), Teixeira afirma que a criação do IPA é “extremamente contestada”.

O desmonte dos Institutos se deu logo depois de Doria atrelar a pasta ambiental à infraestrutura, criando a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima).


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De acordo com pesquisadores, que não quiseram se identificar para evitar represálias, o planejamento da estrutura do Instituto de Pesquisas Ambientais foi feito de forma autoritária e inadequada. Isso porque não houve diálogo com técnicos ou com a comunidade científica.

A fusão esvaziou estruturas administrativas das sedes do Instituto Florestal (IF) localizada no Parque Estadual Alberto Löfgren (Horto Florestal), na zona norte da capital, e do Instituto de Botânica (IBt) localizada no Parque Fontes do Ipiranga, na zona sul. Em seguida, transferiu-as para a Sima, em Pinheiros, na zona oeste. A sede do Instituto Geológico (IG) é a única que permanece na Vila Mariana. 

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, a situação é de caos administrativo. “Está uma miscelânea, porque, atualmente, todos os serviços administrativos dos três institutos estão a cargo do setor administrativo da Sima. Por sua vez, esta secretaria já tem um quadro reduzido de funcionários e que não estão acostumados com a compra de material específico de laboratório nem têm autorização para a compra de produtos químicos, normalmente controlados pelo Exército”.

A transferência das sedes administrativas também dificulta e precariza a gestão da infraestrutura destinada à pesquisa como estufas, bibliotecas, coleções, laboratórios, herbários, equipamentos e as próprias unidades de trabalho dos funcionários.

Já a gestão dos parques do Horto e do Jardim Botânico, onde estavam instaladas as sedes administrativas do IF e IBt, passam a ser atribuição da Coordenadoria de Parques e Parcerias (CPP). “Retiraram a autonomia [dos institutos] sobre a gestão dessas áreas”, afirma Teixeira. Além disso, recentemente, o Horto Florestal e o Jardim Botânico foram concedidos a empresas privadas pelo governo do estado.

Instituto de Pesquisas Ambientais
Instituto de Pesquisas Ambientais também absorveu a missão do órgão que funcionava no Horto Florestal, “concedido” a empresa privada

Amontoado

O presidente da APqC acrescenta ainda como problema a falta de unidades regionais do Instituto de Pesquisas Ambientais. “Como a regionalização não foi prevista no IPA, funcionários que estão no interior e no litoral ficaram sem estrutura, em situação de abandono.” Apesar de permanecerem lotados nas antigas unidades referentes aos institutos fundidos, esses funcionários se encontram sem formalização de unidade administrativa local, o que é o correto na administração pública.

Para os pesquisadores, todas essas desestruturações são prejudiciais para a produção de conhecimento, pois a nova estrutura não contempla todas as linhas de pesquisa. “As pesquisas em andamento encontram-se em risco de paralisação total”, alerta Bocuhy, do Proam.

A redução dos núcleos de pesquisa também preocupa os pesquisadores. Isso porque, antes, as instituições contavam com 54 núcleos temáticos. Com a reestruturação, o número caiu para quatro: Núcleo de Conservação da Biodiversidade; Núcleo de Uso Sustentável de Recursos Naturais; Núcleo de Restauração Ecológica e Recuperação de Áreas Degradadas; e Núcleo de Geociências, Gestão de Riscos e Monitoramento Ambiental.

Desse modo, o enxugamento causou uma superlotação de funcionários nas unidades. “Há um amontoado de pessoas”, afirma Bocuhy. Atualmente, o Núcleo de Conservação da Biodiversidade é um dos mais aglomerados, com cerca de 160 funcionários.

Outra consequência do desmonte é a transferência das áreas protegidas do IF para a Fundação Florestal (FF), que passará a gerir 46 áreas: dois viveiros florestais, um horto florestal, quatro florestas estaduais, 11 florestas, 18 estações experimentais, dez estações ecológicas, além de duas reservas biológicas do IBt. A fundação não possui atribuição legal de pesquisa, de acordo com a Lei 5.208/86 que institui a sua criação.  

Preservação ambiental em risco

Atualmente, as estações experimentais – destinadas à atividade de pesquisa científica – compõem 44% do total de áreas protegidas pelo IF. Segundo pesquisadores, essa transferência faz parte dos planos do governo de João Doria para facilitar a privatização das áreas. “Caso permanecessem vinculadas a um instituto de pesquisa, teriam maior proteção garantida pela Constituição, dificultando a concessão”, afirmam.

“A nossa ação civil pública questiona a reorganização dos órgão em um só instituto. Inclusive a transferência das áreas de pesquisa para a Fundação Florestal, que não possui competência legal para fazer pesquisas ambientais, e nem técnica, pois não dispõe de pesquisadores”, diz Teixeira. O pesquisador se refere a uma ação civil pública movida pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, que pede a nulidade do Decreto 65.274/2020.

A juíza Lais Helena Bresser Lang, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), chegou a conceder liminar. Mas isso não evitou a desestruturação e, assim, a ação tramita agora no TJ-SP.

Em outro procedimento judicial, a APqC ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no TJ-SP, na qual o Proam figura como Amicus Curiae. As entidades aguardam um parecer da Justiça.

A falta de estrutura do novo Instituto de Pesquisas Ambientais levanta um alerta à comunidade científicaque teme os efeitos das alterações climáticas, como o aumento do número de incêndios em unidades de conservação. De acordo com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, houve registros de 192 focos de incêndio em 2021, totalizando 12.669 hectares de vegetação queimada.

“Nós nunca precisamos tanto da pesquisa científica diante dos desafios das mudanças climáticas”, aponta Bocuhy. “Essa desestruturação representa um estágio de insegurança frente aos elementos necessários para a formulação de políticas públicas ambientais para o estado de São Paulo”, afima.