Pronto para ser votado

Volta de Lula faz bancada ruralista acelerar votação do ‘Pacote do Veneno”

Indústria pressiona para aprovar PL 6.299 ainda neste governo. Na avaliação de autor de novo livro sobre o tema, trata-se da maior ameaça ao sistema normativo regulatório de agrotóxicos brasileiro

Arquivo/EBC
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O Pacote do Veneno facilita o registro, produção e venda de agrotóxicos, mas dificulta a fiscalização e controle

São Paulo – A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à disputa pela Presidência da República, com boa vantagem na preferência do eleitorado caso a eleição fosse hoje, é mais um componente para acelerar a votação do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002. Mais conhecido como “Pacote do Veneno“, o projeto de autoria do ex-senador Blairo Maggi, megaprodutor de soja e ex-ministro da Agricultura de Michel Temer, praticamente revoga a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989), facilitando a vida do fabricante desses produtos, que tem no Brasil seu maior mercado consumidor.

A avaliação é do advogado Cleber Folgado, autor do livro Pacote do Veneno: Flexibilização da legislação de agrotóxicos e violações de princípios socioambientais (Conhecimento Livraria), lançado este mês. Na obra, o autor discute o PL 6.299 e os possíveis impactos no sistema normativo regulatório de agrotóxicos, caso seja aprovado.

“A possibilidade de um eventual governo Lula, ao meu ver, é mais um elemento que empurra o PL para a pauta de votação, porque na medida que tais alterações passam a constar em Lei, torna-se mais difícil retomar o que se tinha antes. Isso faz com que os interesses da indústria e do agronegócio pressionem para que o PL seja aprovado ainda no governo Bolsonaro”, disse à RBA.

“Musa do Veneno”

Para Folgado, se o PL for aprovado e Lula vier a ser eleito em 2022, haveria um clima favorável à revogação do “pacote”. Mas isso dependeria da configuração do Congresso. “O ‘Pacote do Veneno’, instituído por lei, só poderá ser substituído por uma nova lei. Todavia, é um processo lento, mais difícil.”

Isso porque a correlação de forças e interesses é muito forte. E também pela configuração do Congresso. A Câmara, especialmente, é bastante alinhada com os interesses do governo Bolsonaro, que por sua vez está alinhado aos dos ruralistas e do agronegócio, inclusive das indústrias desses venenos.

Não é à toa que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) seja comandado pela deputada Teresa Cristina (DEM-MS). Apelidada de Musa do Veneno, ela presidiu a comissão especial que aprovou o projeto. “Isso significa dizer que existe sim um cenário favorável à aprovação do PL 6.299, em especial com Arthur Lira na presidência da Câmara”, disse.

Mas, se mesmo diante dessa conjuntura favorável, o pacote não vier a ser aprovado e Bolsonaro seguir com sua política no setor por meio de atos normativos infralegais, o quadro complica para os ruralistas. Em um eventual governo Lula, haveria mais facilidade para reorganizar o sistema normativo regulatório de agrotóxicos. E assim suprimir as normas que possibilitam a flexibilização do sistema. “Enfim, são especulações. Afinal, é a conjuntura e a correlação na luta de classes que possibilitará de fato avançarmos na proteção da sociedade frente aos agrotóxicos, ou simplesmente assistirmos ao desmonte em curso.”

Portaria X lei

Há um exemplo prático que mostra as razões que fazem das normativas de Bolsonaro “fichinhas” diante do “Pacote do Veneno”. No ano passado, o Mapa baixou a Portaria 43, de 21 de fevereiro, estabelecendo prazo de 60 dias para a aprovação tácita de agrotóxicos e afins. A portaria estabelecia que, se os órgãos avaliadores não finalizassem o processo de registro de determinado produto agrotóxico em 60 dias, tal produto seria liberado provisoriamente até que se concluísse o processo de análise para fins de registro.

O prazo para o registro de um agrotóxico no Brasil, porém, leva em média de 8 a 10 anos. O seja, com a aprovação tácita haveria venenos circulando sem que soubéssemos seus reais efeitos para a saúde e o meio ambiente, e até mesmo sobre sua eficácia agronômica.

Mas pelo fato de a portaria se tratar de um ato infralegal, ou seja, não ser uma determinação feita por meio de uma lei analisada e aprovada no Congresso Nacional, não poderia assim revogar dispositivo da atual Lei de Agrotóxicos. Por isso, a Rede e o Psol, por meio das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 656 e 658, questionaram o Supremo Tribunal Federal (STF).

O ministro relator, Ricardo Lewandowski, entendeu que a portaria violava direitos e garantias fundamentais, dentre os quais destacou a dignidade da pessoa humana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Prevaleceu a Lei 7.802/1989. O voto do relator foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Corte, determinando a suspensão da eficácia dos itens que possibilitavam a liberação tácita.

“Se tais alterações tivessem ocorrido através de uma lei que por sua vez tivesse revogado a atual Lei de Agrotóxicos, como pretende o ‘Pacote do Veneno’, certamente tais questionamentos seriam mais difíceis”, disse Folgado.

Interesses da indústria

Nas palavras de Cleber Folgado, o “Pacote do Veneno” representa a maior ameaça ao sistema normativo regulatório de agrotóxicos brasileiro. As alterações propostas – todas consistentes em flexibilizações e desmontes – visam proteger exclusivamente os interesses da indústria de agrotóxicos e do agronegócio. “E transformam o sistema normativo regulatório desses produtos em algo que não tem como objetivo principal proteger a saúde pública e o meio ambiente através de uma lei que irá revogar a legislação em vigor, alterando por completo o sistema tal qual o conhecemos”, afirmou.

O PL cria uma “Taxa de Avaliação de Registro de produtos técnicos, produtos técnicos equivalentes, produtos novos, produtos formulados e produtos genéricos, de produtos fitossanitários e de produtos de controle ambiental, de Registro Especial Temporário, produto atípico, produto idêntico, produto para agricultura orgânica, cujo fato gerador é a efetiva prestação de serviços de avaliação e de registros”.

“Aparentemente é algo bom, visto que na legislação atual não existe tal previsão. No entanto, quando comparamos os valores estabelecidos, tem-se que eles são valores irrisórios aos cobrados nos Estados Unidos, União Europeia e China.”


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