Pacote do veneno

Especialistas rechaçam decreto que acelera registros de agrotóxicos

Decreto de Bolsonaro permite o registro no país de produtos extremamente tóxicos para a população, inclusive aqueles causadores de câncer, alterações reprodutivas, distúrbios hormonais e até malformações fetais

Arquivo EBC
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Único estado a proibir a pulverização aérea de agrotóxicos, o Ceará considerou graves problemas de saúde pública

São Paulo – Mais de 130 especialistas em saúde e meio ambiente que atuam em mais de 100 organizações em todo o Brasil se unem à Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) para rechaçar decreto do governo Jair Bolsonaro que acelera o registro de agrotóxicos. A entidade publicou ontem (27) nota técnica na qual detalha todos os riscos e retrocessos contidos no Decreto 10.833, baixado no último dia 7, sem consulta ao Congresso ou a especialistas.

Para esclarecer as ameaças trazidas pelo decreto que “incorporou o que há de mais crítico do ‘Pacote do Veneno'”, segundo a Abrasco, a nota técnica lista dezesseis pontos. Em cada um deles, o trabalho traz as graves consequências à saúde humana, ao meio ambiente e à agricultura brasileira embutidas na matéria.

Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e membro do Grupo Temático Saúde e Ambiente da Abrasco, Karen Friederich disse que o decreto é mais um retrocesso. As alterações são muito preocupantes, porque permitem o registro no país de produtos muito tóxicos para a saúde humana, reconhecidamente causadores de câncer e de outros problemas graves, como distúrbios hormonais, reprodutivos e até malformações em filhos de pessoas expostas a esses venenos.

Veneno inconstitucional

“Estamos indo na contramão de outros países que buscam fortalecer a produção de alimentos de forma saudável, para quem come e para quem planta”, disse Karen ao site da Abrasco.

O decreto, porém, é tido como inconstitucional, pois ataca direitos fundamentais e sociais garantidos pela Constituição Federal. Isso porque, segundo especialistas, facilita o registro de substâncias cancerígenas, mutagênicas (que causam danos permanentes às células, causando diversas doenças), teratogênicas (causadoras de malformações congênitas) e causadoras de distúrbios hormonais ou ao aparelho reprodutor.

Esse aspecto, aliás, é um dos pontos mais criticados do PL 6.299 por desrespeitar o direito à vida, à saúde e a um meio ambiente equilibrado. Por isso, abre a possibilidade de ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já cassou outras medidas semelhantes.

Mais agrotóxicos  

O decreto de Bolsonaro é mais uma medida para favorecer os fabricantes de agrotóxicos, que aguardam a aprovação do PL 6.299, de autoria do ex-senador e ex-ministro da Agricultura do governo Temer, Blairo Maggi. Aprovado no Senado, o projeto está pronto para ser votado no plenário da Câmara, onde já passou por uma comissão especial presidida pela ministra Tereza Cristina (DEM-MS).

A aprovação em comissão, em junho de 2018, se deu de forma autoritária. A presidenta passou por cima do regimento e usou de todas as artimanhas possíveis para aprovar o texto impopular, daí ter sido apelidade de Musa do Veneno. Externamente, porém, a pressão popular era muito grande.

Mais de 100 órgãos e entidades em saúde, meio ambiente e direitos humanos, do Brasil e do Exterior se manifestaram contra a proposta de liberar geral as regras para os agrotóxicos. Até a Organização das Nações Unidas enviou carta ao então presidente Michel Temer e ao então presidente do Congresso, Rodrigo Maia, para retirar o PL da pauta. Diante do ambiente desfavorável, o Pacote do Veneno foi colocado em banho-maria até um clima mais favorável.

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