Entre Vistas

‘Deus prefere os ateus’, compara Ailton Krenak sobre hipocrisia em torno da ‘nossa’ Amazônia

Líder indígena foi o entrevistado do programa de Juca Kfouri nesta quinta-feira, na TVT: “genocídio é uma política continuada do Estado brasileiro”

Fabio Rodrigues-Pozzebom/ABr
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ABr
Mesmo notórios à historia, os crimes da ditadura contra indígenas ganharam reconhecimento oficial a partir da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2014

São Paulo – Líder indígena, ambientalista, filósofo, um dos escritores brasileiros mais lidos na atualidade, no exterior inclusive. Assim, o jornalista Juca Kfouri apresentou Ailton Krenak, seu convidado “mais do que especial” do programa Entre Vistas, da TVT, que foi ao ar nessa quinta-feira (23). A primeira pergunta de Juca provocou boas risadas em Krenak. O entrevistador quis saber o que o líder indígena pensa quando as pessoas lhe dizem: calma, o Brasil é nosso. “Você não tem vontade de perguntar: Nosso de quem, cara pálida?”, questionou Juca.

“Eu desde menino escutava essa conversa: calma, o Brasil é nosso! Isso inclusive foi uma campanha nos anos 60 e 70, uma espécie de narrativa de que o Brasil é nosso como se fosse uma dádiva divina. A gente não precisava fazer nada, ele era nosso”, ironizou. “A gente pensa ainda de certa maneira que a Amazônia também é nossa. E ela vai sendo devorada, comida, estraçalhada, mas as pessoas andam dizendo: Ah, a Amazônia é nossa.”

O ambientalista revela que diante dessas duas afirmações sempre se sentiu muito mal. “É uma ofensa aos povos que vivem lá (na Amazônia) e precisam dela estabilizada para viver. Ela está sendo devastada”, ressalta. “Essa ideia confortável de pessoas que recebem dádivas do céu, elas me fazem observar essa frase que está aí na sua estante (na imagem atrás de Juca Kfouri): deus prefere os ateus.”

Constituição ofendida

 Juca lembra a fala de Krenak na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. “Abalou as estruturas do país e serviu grandemente para que os direitos indígenas fossem consagrados na nossa Constituição”, afirmou, antes de exibir o emocionante discurso do líder indígena. “O que mudou de lá para cá?”, pergunta o jornalista.

“Muita coisa, além das bolsas nos olhos”, afirma o Krenak cerca de 35 anos mais velho. “Aquela Constituição que o doutor Ulisses Guimarães (deputado federal pelo PMDB-SP e presidente da Assembleia Constituinte) dizia que era cidadã, ela está sendo ofendida toda hora e todo dia pelo Estado brasileiro através de muitas vozes”, critica o ambientalista. “Vozes do Executivo, do Legislativo, do Judiciário. É como se a República tivesse entrado em insolvência.”

Reprodução
Ailton Krenak discursa na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987: “Povo indígena tem um jeito de pensar, de viver, que não coloca em risco a existência sequer dos animais, quanto mais de outros seres humanos”

Genocídio como política

Questionado sobre a correção do termo genocida utilizado para se referir ao presidente Jair Bolsonaro, Krenak recorre ao livro da socióloga Moema Libera Viezzer. Lançado em 2020, O maior genocídio da história narra o extermínio de 70 milhões de indígenas no Brasil e no restante das Américas.

“O Brasil contribuiu grandemente numa prática constante de etnocídio, que é o impedimento das expressões da vida de um povo, no caso dos povos indígenas. Genocídio é quando mata. Essa história ela é longa, não começou outro dia. A ocupação das Américas é feita no sentido de banir os nativos e colocar outros povos, colonizar. A colonização no Brasil é estável, então o genocídio é uma política continuada do Estado brasileiro.”

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Krenak falou ainda sobre a naturalização de crimes ambientais como os cometidos pela Vale no rio Doce. “Esse rio está em coma. Não tem como compensar isso. A ideia estabilizada na nossa sociedade é que o espetáculo não pode parar. E o espetáculo é o mercado, a mercadoria, o capitalismo. E nós estamos sentindo na pele essa erosão.”

O ambientalista e líder indígena comentou ainda o discurso de Bolsonaro na ONU, a resistência e o papel dos povos indígenas na preservação do meio ambiente, além da votação do projeto de lei que quer regularizar a grilagem das terras públicas onde estão os indígenas. “Uma espécie de saque, de incorporação de milhões de hectares de terras ao patrimônio privado de algumas empresas, de alguns indivíduos”, criticou Ailton Krenak.

Assista ao EntreVistas com Ailton Krenak

TVT Reprodução
Ailton Krenak participa do Entre Vistas, da TVT, apresentado pelo jornalista Juca Kfoury

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