Conservação ameaçada

Proposta que reduz em até 73% área da Chapada dos Veadeiros ‘não tem consistência técnica e jurídica’

Fundamental para o ciclo da água e abrigo de uma enorme biodiversidade, Cerrado está sob pressão do agronegócio, que quer invalidar decreto de 2017 e reduzir em 175 mil hectares a unidade de conservação

Fernando Tatatgiba/ICMBio
Fernando Tatatgiba/ICMBio
"É um projeto de decreto legislativo sem pê nem cabeça, não faz qualquer sentido", afirma especialista sênior de Políticas Públicas do Observatório do Clima

São Paulo – Uma proposta protocolada na Câmara dos Deputados quer reduzir em até 73% a área de conservação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. De autoria do deputado Delegado Waldir (PSL-GO), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 338/2021 ameaça 175 mil hectares da unidade de conservação garantidos por um decreto de 2017 que, para a proteção de remanescentes do Cerrado, ampliou a área de conservação de 65 mil para 245 mil hectares.

O argumento do parlamentar é que o aumento “desmedido” do território “prejudica os agricultores da região”. Mas a avaliação da especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, é que a proposta “não tem consistência nem técnica e nem jurídica”. Em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, ela explica que o PDL só poderia sustar o ato de criação da unidade de conservação se ele tivesse exorbitado o poder regulamentar. “O que não é o caso”, garante. 

Suely estava na presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quando houve a ampliação e explica que foram feitas todas as consultas públicas exigidas pela lei para ouvir a comunidade sobre a ampliação do parque, o que foi bem recebido pela população local. “É um parque antigo, importante, o coração do ecoturismo no estado de Goiás. Toda a região centro-oeste tem uma relação de carinho muito grande com o parque da Chapada.”

Parque já foi maior

Uma enquete no portal da Câmara dos Deputados também mostra que a maioria (99%), de mais de 14 mil pessoas, “discorda totalmente” da proposta. A avaliação da ambientalista é que o deputado, na verdade, não tem uma questão jurídica e analisa o “mérito” da proposta. “Ele não gosta de um parque desse tamanho e acha que atrapalha o agronegócio. Então os argumentos são insuficientes”, aponta. “É um projeto de decreto legislativo sem pé nem cabeça, não faz qualquer sentido.” 

Antes de 2017, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros abrangia as cidades de Alto Paraíso de Goiás, Cavalcante e Colinas do Sul. Com a ampliação, a unidade passou a incluir mais três cidades, Teresina de Goiás, Nova Roma e São João D’Aliança. Criado em 1961, o parque, porém, já foi pelo menos duas vezes maior do que o tamanho atual. Antes conhecido como Parque Nacional do Tocantins, ele possuía 625 mil hectares, mas teve a área reduzida para 171 mil hectares em 1972, quando recebeu o nome de Chapada dos Veadeiros. Até que em 1981, ficou com apenas 65,5 mil hectares. 

Pressão do agronegócio

Em 2017, lembra Suely, nas consultas públicas prevaleceu a escolha técnica pela ampliação para preservar a alta biodiversidade e o ciclo das águas da região. “O Cerrado é o berço das águas, onde nascem as bacias que na verdade têm importância para o país como um todo”, explica. Apesar da importância, o Cerrado ainda é um bioma que tem um pequeno percentual de proteção. Dados da ONG WWF mostram, por exemplo, que enquanto a Amazônia tem cerca de 28% do território protegido, o índice cai para 8,3% no Cerrado. O bioma também não está incluído na lista do artigo 225 da Constituição que reconhece os patrimônios nacionais. 

Segundo a especialista, isso ocorre porque o Cerrado “está sob pressão do agronegócio. É onde está a expansão da fronteira agrícola de uma forma mais forte”, observa. Suely adverte, porém, que a preservação do parque é fundamental inclusive para as atividades agrícolas, que podem ficar em risco se o desmatamento se tornar irreversível.

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção


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