SEMANA DO MEIO AMBIENTE

Grafite em ponte de São Paulo alerta para ameaças e importância da água

Serão mais de mil litros de tinta e 1,5 mil tubos de spray, ambos à base de água, para cobrir 55 metros, ou 1,2 mil m², de concreto cinza em plena Marginal Pinheiros

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Ilustração de como a ponte vai ficar após a intervenção artística

São Paulo – A transformação visual completa de uma ponte cinzenta localizada em uma das maiores vias de rodagem urbana do país vai marcar a Semana do Meio Ambiente, em São Paulo. Serão mais de mil litros de tinta, 1,5 mil tubos de spray, ambos à base de água, para grafitar os 55 metros da construção erguida na Marginal Pinheiros, logo depois da Ponte da Cidade Universitária. Os responsáveis pela arte são Rodrigo Cordeiro, criador do projeto Graffiti Pela Água, e Rodrigo Dias, o Gamão, grafiteiro e presidente do coletivo Raxa Kuka Produções.

A ponte é da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e abriga adutoras da estatal, que é parceira no projeto. E o objetivo do projeto, como explica Rodrigo Cordeiro para a Rádio Brasil Atual, é “traduzir em imagens, em arte, tudo aquilo que técnicos e acadêmicos falam sobre o setor de recursos hídricos há tanto tempo. O aspecto técnico, é claro que informa, mas a sensibilização, o engajamento e pertencimento a gente só consegue através da arte”. Gamão completa: “a intenção é transmitir a questão da cor, a cromoterapia. Você vê e dá uma sensação, cor quente, cor fria. Deixar uma ponte toda colorida, pra não ficar naquela coisa bem básica”.

Para conseguir grafitar o 1,2 mil metros quadrados de área da ponte, foi necessária a preparação de quase um mês de treinamento. Os envolvidos usam equipamentos de segurança e têm certificações necessárias para o trabalho de pintura em altura. Vão, ainda, contar com o auxílio de uma plataforma elevatória que vai chegar a 40 metros de altura.

“Graffiti contra Enchente”

Mais do que um mês de preparação e certificados, por trás do Graffiti pela Água há uma ideologia de preservação da água. Rodrigo Cordeiro é também diretor da Nesty’, empresa que atua do ramo de eventos. Ele conta que ao logo de anos dedicados ao tema água e saneamento, notou “que a realidade daquilo que era dito nos eventos era muito distante do que se vivia em comunidades e outras regiões de São Paulo, especialmente áreas afetadas pela enchente”.

Em um desses eventos, Gamão foi palestrar e comoveu Cordeiro ao contar as dificuldades com enchentes que a comunidade do grafiteiro passava em Taboão da Serra, nas proximidades do Córrego Pirajussara. A resposta de Gamão para tanta dor para foi criar o movimento Graffiti contra Enchente, em 2014, após passar “pela pior enchente de toda a história”, conta. “O pessoal de onde eu moro e de outros lugares estava cabisbaixo, desanimado, triste”, continua, acrescentando que para tentar mudar a realidade, “dar um gás e amenizar a dor”, chamou colegas grafiteiros, músicos, “tudo o que é movimento cultural” para criar o Graffiti contra Enchente.

Nossa obrigação

O movimento, na prática, é expresso em eventos que ocorrem de sexta a dominigo tentando contemplar todos os movimentos culturais. Já foram cinco edições, sempre encerradas com um show. “Já passaram por lá Racionais, Z’África Brasil, Thaíde”. A intenção é conscientizar as pessoas da importância da ação conjunta em nome de um bem coletivo. O trabalho é árduo. “Não é todo mundo (que entende a mensagem) do jeito que a gente queria. Mas de pouquinho em pouquinho a gente vai lá. Uma andorinha só não faz verão, mas a gente pode acordar o bando todo”, conta Gamão. “As pessoas têm de entender que a gente tem de cuidar do que é nosso. Não pode só cuidar de bem material, da nossa casa, a cidade é nossa, o ambiente é nossa, a natureza é nossa. É nossa obrigação isso”.

Convence, mobiliza e engaja

Rodrigo Cordeiro foi conhecer a realidade de Gamão em 2018 e ficou tocado com a forma como os grafiteiros representavam a água. “Eles grafitam o tema através de rato, esgoto e sujeira”. “O Graffiti pela Água nasce como uma complementação do projeto Graffiti pela Enchente, que tem o objetivo local. Nós queremos mostrar a água de outras formas, ela faz parte de nosso cotidiano. Não adianta a gente tentar transferir responsabilidade se a nossa parte não é feita. Se você olhar o (Rio) Pinheiros agora, o que vai ver de garrafa jogada, de resíduos que poderiam ter sido evitados, é uma enormidade”, diz. “A arte convence, a arte mobiliza e a arte engaja e esse é o nosso objetivo.”

Ele garante que o Graffiti pela Água vai tomar o Brasil. A parceira com a Sabesp prevê mais três trabalhos, em três respiradores – “estruturas que parecem chaminés” – entre a Ponte do Jaguaré e a Eusébio Matoso, todas na Marginal Pinheiros. “E depois a gente começa a expandir esse projeto para o Brasil inteiro”. Ainda em 2020, pretendem trazer 20 grafiteiros para fazer intervenções artísticas na capital paulista. Cada um deles vai pintar uma tela que fará parte de um acervo da exposição itinerante do Graffiti pela Água. A intenção, ressalta Rodrigo, não é substituir o que técnicos e acadêmicos dizem. “É complementar. Traduzir tanta informação de qualidade em algo mais palpável pela sociedade, para que possam se apropriar desse conhecimento e transformar em ação.”

Assista à íntegra da entrevista


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