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Estudo da Terra de Direitos aponta irregularidades em operação da Cargill em Santarém

Levantamento da organização Terra de Direitos revela irregularidades na implementação do porto da empresa no Pará e discute seus impactos às comunidades e ao meio ambiente

Arquivo/Greenpeace
Arquivo/Greenpeace
Instalação do porto da multinacional estadunidense atraiu a produção de gado e de soja para a Amazônia

São Paulo – A organização Terra de Direitos lançou nesta segunda-feira (28) o estudo “Sem licença para destruição – Cargill e violação de direitos no Tapajós (Santarém)”. A pesquisa faz um levantamento dos impactos das irregularidades na instalação de um porto da companhia em área pública às margens do rio. Santarém, a 800 quilômetros de Belém, é onde se encontram as águas dos rios Amazonas e Tapajós. Em 2024, expira a validade da licença que permite a operação da multinacional de origem estadunidense, que produz e processa alimentos.

O levantamento feito pela Terra de Direitos identifica falhas, omissões e lacunas no estudo de impacto ambiental apresentado pela Cargill em 2010. Entre os problemas, ter deixado de fora os impactos sobre comunidades indígenas e quilombolas. Clique aqui para acessar o documento.

Entre as conclusões da organização, as exigências impostas à Cargill são muito brandas. Desse modo, não compensam a totalidade dos impactos causados às populações da região pelo empreendimento. Além disso, a Cargill é beneficiada pela demora na renovação de licenças pela Secretaria de Meio Ambiente. Enquanto o órgão não se manifesta, uma licença é renovada automaticamente.

Irregularidades no licenciamento

“É preciso garantir que o órgão ambiental não conceda nova licença antes da retificação dos Estudos de Impacto, com a devida inclusão dos Estudos do Componente Indígena e Quilombola e com a reparação dos danos causados até agora”, disse Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos. Segundo ele, somente a realização de uma efetiva consulta prévia, livre e informada de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais afetadas poderá garantir a continuidade de um processo de licenciamento ambiental em consonância com a legislação em vigor e com os princípios de direitos humanos.

Nessas duas décadas da instalação do porto da Cargill, houve avanço do agronegócio e a destruição da memória dos povos tradicionais. A chegada da companhia ao local impulsionou a migração de agricultores, causando pressão sobre áreas de floresta para cultivo em Santarém. Nesse período Santarém perdeu uma área de mais de mil quilômetros quadrados. Ou mais de 140 campos de futebol, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Com a supressão da vegetação local, há um aumento da sensação térmica. Além disso, o porto ocasiona perda de área de pesca, invasão de espécies exóticas e impacto na qualidade do peixe. Há maior ocorrência de deformidades e menor tempo de conservação do produto”, disse Martins.

Cargill e conflitos agrários

Conflitos fundiários tornaram-se comuns desde que a soja chegou aos municípios de Belterra, Mojuí dos Campos e Santarém. Entre 2000 e 2005, 90% das áreas do entorno da BR-163 mudaram de proprietário, principalmente no trecho entre Santarém e Belterra. A valorização da terra pode ter contribuído para a venda de propriedades de pequenos agricultores, mas houve pressão dos grandes produtores sobre os pequenos, conforme sindicatos de trabalhadores relataram à Terra de Direitos.

A ampliação do agronegócio no local trouxe também os efeitos da aplicação de agrotóxicos nas lavouras, que estão cada vez mais próximas à área urbana e de escolas, postos de saúde e hospitais. Os povos da região, porém, sentem até hoje a falta da Praia de Vera Paz, que deu lugar à construção de silos e um dique. Ainda mais agressivo à memória ancestral, a destruição de parte de um dos maiores sítios arqueológicos da região, que guardava vestígios de ocupação pré-colombiana do território de cerca de 10 mil anos.

“A ausência da escuta aos povos tradicionais significa que a realidade de impactos sofridos por aldeias e quilombos, assim como de pescadores e pescadoras, agricultores e agricultoras familiares foi omitida. Durante os 22 anos desde a chegada da empresa na região, os grupos étnicos não participaram da elaboração de condicionantes do empreendimento e foram excluídos de qualquer processo de participação, apesar da série de marcos legais que garantiriam esse direito”, disse Martins.