Passando a boiada

Aplicação de critérios de avaliação de impactos ambientais será inviabilizada

Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, se projeto for aprovado pelo Congresso Nacional sem alterações, na prática, representaria o fim do licenciamento ambiental no Brasil

Op. Verde Brasil
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Aprovação final do projeto representaria dano ainda maior para a imagem do Brasil no exterior

São Paulo – A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (13) o Projeto de Lei (PL) 3.729, que altera diversas regras do licenciamento ambiental. A proposta foi aprovada a toque de caixa, atendendo aos interesses da bancada ruralista. Os destaques com alterações ao texto do deputado Neri Gueller (PP-MT) foram rejeitados, sob protestos da oposição, e entidades de defesa do meio ambiente alegam que não foram sequer consultadas, resultando em uma proposta sem embasamento técnico-cientifíco.

O projeto dispensa o licenciamento ambiental para uma série de atividades econômicas, como empreendimentos do agronegócio e ampliação em obras de infraestrutura. Também cria a figura da licença por adesão e compromisso, o que, na prática, institui uma espécie de licenciamento por autodeclaração. Além disso, acaba com consultas a comunidades tradicionais sobre obras que passem por seu território.

De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, caso a proposta seja aprovada no Senado, o projeto praticamente inviabiliza a aplicação dos critérios de avaliação de impactos ambientais. “Na medida em que elimina esses critérios, tira a finalidade do próprio licenciamento. Ou seja, o projeto é tão ruim que anula, em essência, o licenciamento ambiental no Brasil”, denunciou o ambientalista em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual desta sexta-feira (14).

Bocuhy chama a atenção para o fato de o projeto liberar o licenciamento, por exemplo, para a construção de estações de tratamento de esgoto que lançam efluentes nas águas. Além disso, a dispensa de avaliação de impactos para pequenas propriedades agrícolas também seria um ponto crítico, pois os efeitos acumulados de diversos projetos numa mesma região são ainda mais graves do que aqueles causados por um grande empreendimento.

Desdobramentos

Bocuhy acredita que, caso aprovada, a nova legislação seria alvo de contestação na Justiça. Ele afirma que o projeto é incompatível com a Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida pela Lei 6.938/81, bem como com a própria Constituição Federal. “É uma lei insuficiente para a proteção ambiental. Sendo insuficiente, é inconstitucional. Ao final do processo, certamente será judicializada. Talvez por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), caso seja aprovada pelo Congresso.”

Além disso, prejudica ainda mais a imagem do Brasil no exterior. O governo brasileiro encontraria dificuldades adicionais nas negociações de acordos comerciais. Mais que um dano de imagem, o país também ficaria suscetível a sanções econômicas. Segundo o presidente do Proam, a Organização Mundial do Comércio (OMC) adota cláusulas que punem a produção realizada às custas da degradação ambiental. Ademais, a proteção ambiental também é considerada um direito humano, deixando o país suscetível a ser alvo de ações em cortes internacionais.

“Existe todo um conjunto de medidas que podem ser tomadas contra o Brasil. Agora, para haver essa responsabilização é preciso que haja a materialização do dano. É o que preocupa. Ao longo tempo, toda essa fragilização da legislação vai provocar muitos danos ambientais. A pergunta é: quem vai pagar por isso?”, ressaltou o ambientalista.

Licenciamento ambiental e insegurança jurídica

Ao contrário do que dizem os parlamentares que votaram pela sua aprovação, essa proposta vai aumentar a insegurança jurídica, de acordo com Bocuhy. Com critérios frouxos, os licenciamentos obtidos por meio dessas novas regras serão alvo de inúmeras ações judiciais. “O que poderia ser uma boa proposta, no sentido de aprimorar o licenciamento ambiental, se configura numa lei tão frágil, um pântano jurídico tão evidente, que haverá um índice de judicialização muito maior. Não é bom para ninguém. Esse tipo de desregramento acaba trazendo uma insegurança muito grande”, ressalta ele.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira