Vitória do meio ambiente

Uso de agrotóxicos sem licenciamento ambiental é inconstitucional, diz STF

Ministros acolheram ação do Psol contra uma norma do conselho de Meio Ambiente do Ceará, que permitia uso de agrotóxicos sem licenciamento ambiental

Rômulo Pena Scorza Jr/Embrapa
Rômulo Pena Scorza Jr/Embrapa
As liberações desenfreadas preocupam o Ministério Público do Trabalho. O sistema de saúde muitas vezes não relaciona as enfermidades com a exposição a esses produtos

São Paulo – O uso de agrotóxicos sem licenciamento ambiental, independentemente do tamanho da área ocupada pela lavoura pulverizada, é inconstitucional. Para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), isentar de licenciamento atividades potencialmente poluidoras, como são esses produtos, afronta a Constituição Federal e normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

Por unanimidade, em julgamento virtual no último dia 20, os ministros acolheram parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.288, protocolada pelo Psol em dezembro passado. A petição questiona itens de uma resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Coema) que estabelece critérios, parâmetros e custos operacionais para o licenciamento ambiental de obras e atividades com impactos sobre o meio ambiente no estado.

Liberdade para os agrotóxicos

Um deles é o artigo 8º daquela resolução, que em seus parágrafos estabelece a dispensa de licenciamento para mais de 40 empreendimentos de alto potencial poluidor e degradador, como é o caso do uso de agrotóxicos. Pela resolução, plantios que serão pulverizados, inclusive de flores e plantas ornamentais, irrigadas ou não, que tenham menos de 30 hectares, ficam livres do licenciamento.

Porém, para os ministros, isentar de licenciamento ambiental imóveis com área menor que 30 hectares viola o artigo 225 da Constituição Federal, que prevê o direito de todos a um ambiente ecologicamente equilibrado.

O uso de agroquímicos é altamente impactante e degradador do meio ambiente. Contamina rios, lençóis freáticos e aquíferos, sem contar os danos à saúde, que vão de intoxicações agudas a doenças graves, como diversos tipos de câncer, malformações congênitas e alterações que causam infertilidade, puberdade precoce e danos no sistema nervoso central.

“Áreas menores de 30 hectares podem parecer pequenas, mas não são. A soma de diversas áreas com menos de 30 hectares equivale a grandes extensões de terra. Na Chapada do Apodi, onde está o principal polo do agronegócio exportador do Ceará, os lotes têm em média oito hectares. É claro que os grandes proprietários têm vários desses lotes. Pela resolução, tudo isso ficaria sem uma fiscalização mais dura, que é necessária”, disse à RBA o advogado João Alfredo Telles Melo, um dos autores da ação.

Conforme destaca, na Chapada do Apodi estão os grandes empreendimentos agrícolas regados a grandes doses de agrotóxicos. Em Limoeiro do Norte, nessa região, foi assassinado, há dez anos, o líder comunitário José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, que lutava contra as pulverizações. Foi lá também que em 2008 morreu Vanderlei Matos da Silva, trabalhador responsável pelo preparo da calda de agrotóxicos na multinacional do agronegócio Del Monte.

Flexibilização das exigências

Na petição, o Psol pediu também a inconstitucionalidade de itens que extrapolam competências dos entes federados na legislação ambiental. Para o partido, a resolução afrouxa, flexibiliza e reduz as exigências para o licenciamento ambiental. Também estabelece a autodeclaração em alguns casos. Na prática, o empreendedor se autolicencia, tornando o órgão ambiental um mero “carimbador” eletrônico das licenças concedidas sem a devida averiguação.

Para o advogado, a decisão do STF é uma vitória da saúde, do Meio Ambiente e do direito ambiental. Caso prevalecesse o artigo 8º da resolução, estaria aberto um precedente para outros estados fazerem o mesmo. “O licenciamento ambiental está previsto no artigo 225 da Constituição, na Lei dos Agrotóxicos, na Lei Complementar 140 lei de agrotóxicos, que prevê o licenciamento ambiental, a Lei Complementar 140/2011 e na Resolução 237/97 do Conama, segundo os quais atividades que causem degradação ao meio ambiente têm de ser licenciadas. Isso parece óbvio, mas temos em nosso país gente falando em terra plana”, diz.