Mercado da devastação

‘Nova fase’ dos garimpos ilegais conta com lavra clandestina empresarial

Megaoperação da PF contra empresário que explorava reserva ilegalmente desnuda etapa atual dos garimpos, avalia o jornalista Lúcio Flávio Pinto. Ação, contudo, também foi motivada para atenuar imagem negativa do governo, avalia

PF/Divulgação
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"Nessa operação da Polícia Federal máquinas caríssimas foram queimadas e destruídas. E isso é um capital", observa o jornalista

São Paulo – Uma megaoperação da Polícia Federal no Pará, que mirou o dono de uma das maiores empresas de aviação do país, foi manchete do jornal Folha de S. Paulo no último domingo (18). A notícia que ganhou destaque na imprensa mostrava a ação de policiais federais, fiscais do Ibama e militares da Marinha e do Exército que haviam fechado no início da semana o garimpo do empresário Armando Amâncio da Silva, localizado dentro da Reserva Biológica (Rebio) Maicuru, no norte do estado.

No local onde o ouro era ilegalmente extraído por Amâncio da Silva, a operação destruiu equipamentos e uma pista de pouso clandestina. No mesmo dia, a PF também apreendeu quatro aeronaves em Santarém, de acordo com a reportagem. Essas ações fazem parte da operação Ouro Frio, que investiga o comércio ilegal de ouro no Pará. Elas também são parte da Operação Verde Brasil 2, coordenada pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

Apesar do intuito, por trás de sua aparência de “combate à devastação ambiental”, há um conluio de interesses do governo de Jair Bolsonaro e do mercado externo. É o que aponta o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, em entrevista a Marilu Cabañas do Jornal Brasil Atual. 

Garimpos e conluio de interesses

O jornalista questiona o porquê do garimpo ilegal do empresário, chamado de Limão, não ter sido fechado nestes quase 40 anos em que estava dentro de uma reserva ambiental. A Folha mostrou que o Plano de Manejo da Rebio Maicuru, publicado em 2011, tinha fotos e até um censo que listava quatro garimpos ilegais ativos. Entre eles, o garimpo do Limão que, no documento, também apontava Amâncio da Silva como o dono.

“Esse cidadão Amâncio, do garimpo do Maicuru, está lá há quatro décadas e formou uma empresa. Ele tinha uma frota com 27 aviões”, destaca Lúcio, sobre a Piquiatuba Táxi Aéreo. “E ele deve ter ficado surpreso, ‘o que fiz agora que apreenderam e dinamitaram?’. Ele estava lá, sempre esteve. O que mudou foi a motivação”, afirma o jornalista. 

Lúcio estranha que o “governo que estimulou garimpeiros e madeireiros a entrar na floresta, destruir, estabelecer atividades produtivas em áreas que deveriam ser de conservação ambiental, hoje, um ano depois, está reprimindo esses garimpos que se expandiram com estímulo do próprio presidente da República”.

Pressão externa 

Para o jornalista, por trás da imagem dessa megaoperação está um governo que vem sendo pressionado a recuar por conta da pressão internacional. “Ele quer atrair empresas privadas e usou este caso (a megaoperação) e alguns outros para mostrar que o capital não vai ser prejudicado, os contratos serão respeitados”, avalia.

Mas antes, ao estimular os garimpos e invasões, o que Bolsonaro mostrava era seu intuito de lastrear operações internacionais, como o governo brasileiro fez em Serra Pelada, na década de 1980. De acordo com Lúcio, as empresas e os estados têm os depósitos de ouro como uma maneira de segurar o valor da moeda interna.

“O governo Bolsonaro queria aumentar a produção a qualquer custo. Mas na nova fase não é mais o garimpeiro autônomo, é o garimpeiro como empregado do grande capital. A gente vê nessa operação da Polícia Federal máquinas caríssimas sendo queimadas e destruídas. E isso é um capital que um garimpeiro não tem. Em vez de termos a velha lavra garimpeira, nós temos uma lavra clandestina empresarial”, comenta o jornalista.

Contradições

Em meio a tudo isso, a maior prejudicada continua sendo a Amazônia, como destaca Lúcio Flávio. “Essas contradições mostram que nós não temos mais planejamento no Brasil, o futuro é seguinte, o passado é o dia anterior. Não tem mais plano de governo, há quando muito o orçamento do programa, mas não tem planejamento. O governo segue em ziguezague. E ziguezague na Amazônia é uma atitude insensata porque você estimula uma destruição, ela veio em 2019 e mais forte ainda em 2020, apesar da tentativa de parecer que se estava combatendo”, lamenta o jornalista. 

O empresário Amâncio da Silva não foi preso na operação, de acordo com a Folha de S. Paulo. O jornal apurou que ele está internado em São Paulo para tratar de um câncer e da covid-19. Ao jornal, a defesa do dono do garimpo ilegal alegou que “não são verdadeiras as suspeitas” e que “todas as questões serão esclarecidas por meio de provas que serão oportunamente apresentadas nos autos”.

Confira a entrevista da Rádio Brasil Atual 

Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria