Verde-oliva chamuscado

Ação do Exército contra desmatamento na Amazônia é ineficiente, diz geógrafo

Participação de militares na região era vista como uma “resposta” do governo Bolsonaro às críticas de negligência na área ambiental

Valter Campanato/EBC
Valter Campanato/EBC
Mesmo com a presença de militares, julho fechou com 6.803 focos de incêndio na Amazônia ante 5.318 registrados em 2019

São Paulo – O desmonte do Ministério do Meio Ambiente e de toda a estrutura de fiscalização ambiental do Brasil tem impactos diretos nos números divulgados sobre a devastação, que só cresce. Em 30 de julho, a Amazônia registrou mais um novo recorde com 1.007 focos de calor em único dia. É o número mais alto registrado para o mesmo mês desde 2005, quando 406 focos foram identificados, ou seja, menos da metade. 

Ao todo, julho fechou com 6.803 focos de incêndio no bioma ante 5.318 em 2019. O aumento do desmatamento já era previsto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que, em junho, apontava o avanço da devastação pelo 14º mês consecutivo. No acumulado, houve um aumento de 25% no desmatamento na comparação com o mesmo semestre do ano passado. 

Ao analisar os dados para o Jornal Brasil Atual, o professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro, lembra que a devastação acontece com a presença do Exército na Amazônia Legal. Após pressão de investidores estrangeiros, desde maio, militares articulam ações para prevenir e reprimir delitos ambientais. A ação também era vista como forma de mostrar uma “resposta” do governo Bolsonaro às críticas de negligência. Mas, na prática, o “Exército vem se mostrando ineficiente”. 

“É preciso rever a atuação do Exército que não está sendo condizente com todo o esforço que está sendo feito lá, inclusive em termos financeiros. É muito caro”, destaca Ribeiro ao jornalista Glauco Faria. 

Falta treinamento e fiscalização

Nesta semana, reportagem do site El País mostrou que a chamada operação Verde-Oliva, destinada pelo vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão para a região sob o custo de R$ 60 milhões, falhou no combate ao desmatamento e às queimadas. Os quase 4 mil agentes e veículos faltaram com efetividade na escolha dos alvos, priorizando ações de patrulhamento e apreensões de madeira. 

Por outro lado, também pela falta de experiência dos militares, focos de desmatamento e queimadas ativos não foram visados. E mesmo os garimpos ilegais, que contaminam solo, devastam a natureza e prejudicam as comunidades locais, também foram poupados. A partir de relatos de fiscais do Ibama que participaram da operação, a reportagem mostra que o Exército não quis ser associado a destruição de maquinários usados pelos invasores por conta das críticas de Jair Bolsonaro à repressão contra garimpeiros.

“É preciso registrar que não adianta fiscalizar e prender a madeira depois que os desmatadores saíram. Até porque a madeira em si não é o grande foco do desmatamento, o objetivo maior é o acesso à terra”, comenta o geógrafo. Os militares ainda contavam com uma tecnologia de ponta, o Deter Intenso. O monitoramento diariamente gera uma nova imagem com resolução de 10 metros sobre áreas de hotspot de biodiversidade na Amazônia Legal. 

Para servidores do Ibama, ficou claro que apesar da capacidade logística, falta ao Exército treinamento para fiscalizar. Mesmo assim, os militares dispensaram a expertise do Ibama, que foram os únicos responsáveis por um caso de sucesso que conseguiu zerar o desmatamento em três terras indígenas no Sul do Pará, em maio. Sem a presença de autoridades no local ou de uma operação de fiscalização permanente por parte do governo, a área voltou a ser ocupada por invasores recentemente. 

Governo não quer coibir desmatamento

“Eu diria que até pela própria credibilidade do Exército está na hora deles (militares) repensarem essa atuação e ao mesmo tempo promoverem parcerias com Ibama e o ICMBio”, propõe Ribeiro. “É preciso reajustar a participação do Exército. Ele pode ter um apoio fundamental na logística, de levar os técnicos até essas áreas. Ao mesmo tempo quando, o Exercício está presente, é também uma forma de proteção para os próprios técnicos, mas ele não está preparado para atuar”, acrescenta. 

Apesar de ineficiente, o governo federal já prorrogou para até novembro deste ano a operação. Para o professor da USP, a falta de integração dos militares com os órgãos de fiscalização e o descaso da União expõem a verdadeira intenção do governo. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a pedir em ofício enviado ao Ministério da Economia a redução da meta oficial de preservação da Amazônia

Ao jornal O Globo, o ministro, contudo, diz ter voltado atrás e recuado do pedido amplamente criticado. “Não há dúvida de que o objetivo não é coibir o desmatamento. A gente está infelizmente assistindo àquilo que foi anunciado na campanha eleitoral. Estamos queimando o que o Brasil tem de estratégico no século 21, esse acervo de informações genéticas nas nossas florestas, perdido sem estudo, sem conhecimento. Estamos queimando uma biblioteca que saber o que tem nela. O que é no mínimo pouco inteligente”, contesta Wagner Ribeiro.

Redação: Clara Assunção – Edição: Glauco Faria


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