Nuvem de gafanhotos

Uso de agrotóxicos para ‘combater’ gafanhotos pode piorar desequilíbrio ecológico

Avaliação é da pesquisadora da USP Larissa Mies Bombardi, que aponta as relações entre o aquecimento global, a monocultura e o uso intensivo de agrotóxicos, com a nuvem que está a pouco mais de 100 quilômetros do Brasil

Reprodução/Senasa
Reprodução/Senasa
Governo brasileiro já autorizou uso de agrotóxicos, incluindo um inseticida proibido na União Europeia por ser neurotóxico

São Paulo – As mudanças climáticas, a monocultura e uso intensivo de agrotóxicos podem ter provocado a nuvem de gafanhotos que devastou plantações no Paraguai e agora se concentra na Argentina. Essa é a avaliação da pesquisadora e professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Mies Bombardi. Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual, a pesquisadora destaca a relação entre aquecimento global com a infestação das pragas. A começar pela interrupção natural do ciclo de reprodução dos animais. 

Com base em análises do engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, vice-presidente da regional sul da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Larissa explica que o ciclo e sazonalidade andam em conjunto com o clima e os demais elementos da natureza. 

Exemplo disso são muitos mamíferos que têm um período de gestação no inverno, dão à luz na primavera para que o crescimento dos filhotes aconteça no verão. Com a ocorrência de eventos extremos, no entanto, e o aquecimento da terra, provocados pelas mudanças climáticas, esse ciclo de reprodução natural é rompido, postergando esse período, inclusive dos gafanhotos. “E o que a gente tem associado a isso é que esses animais se reproduzem mais e a população deles aumenta muito”, explica a autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia

Chuva de agrotóxicos

Ao mesmo em que se altera o ciclo de reprodução desses insetos, há também uma quebra na cadeia alimentar, pelo avanço do desmatamento e pela ampliação da chamada fronteira agrícola. “Há uma percepção de que os predadores diminuíram ou mesmo foram em algumas áreas eliminados, que é o que tem acontecido. Os predadores naturais do gafanhoto são pássaros e roedores. Com o uso intensivo de agrotóxicos, esses animais também diminuíram”, destaca. “Essa nuvem está sem dúvida associada a um desequilíbrio ecológico.”

Até a semana passada eram 400 milhões de insetos da espécie Schistocerca Cancellata, que podiam percorrer até 150 quilômetros por dia. De acordo com informações da Agência Pública, a nuvem vem diminuindo após a pulverização de agrotóxicos na Argentina. Mas até o final de semana, apenas cerca de 15% teria sido eliminada. 

Os gafanhotos estão hoje a pouco mais de 100 quilômetros do Brasil e do Uruguai. O Ministério da Agricultura decretou emergência fitossanitária para o caso da nuvem cruzar as fronteiras do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. A medida permite a importação de agrotóxicos e flexibiliza o uso de produtos autorizados para novas culturas. 

Combater um desequilíbrio com outro

Algo “temerário”, de acordo com a especialista. “A gente já tem uma nuvem de gafanhotos que é resultado de desequilíbrio ecológico causado por esse modelo hegemônico de agricultura, digamos assim, baseado no uso intensivo de agroquímicos. E a gente vai ‘combater’ um desequilíbrio ecológico provocando um outro”, critica. 

O governo ainda não divulgou quais agrotóxicos serão utilizados, de acordo a Pública. Mas na Portaria de nº 208, aprova a utilização de produtos do grupo de fungos entomopatogênicos, e outros seis inseticidas. Um deles, o acefato, é proibido na União Europeia. Larissa ainda adverte para o risco desses agrotóxicos causarem problemas neurológicos e de disrupção endócrina.

“Se essa nuvem chegar e for combatida com inseticidas, é possível que tenhamos outros problemas ecológicos que não conseguimos mensurar ainda”, aponta. “E a maneira com que a gente está escolhendo lidar vai provocar outros impactos, não só do ponto de vista do meio ambiente, da fauna e da flora, mas eventualmente também para a população humana que vive, trabalha ou mesmo habita próximo desses lugares”, reflete a pesquisadora da USP.