Sonho do presidente

PL 191, que autoriza exploração de terras indígenas, também libera cultivo de transgênicos

Projeto do governo Bolsonaro altera artigo que impede o cultivo de organismos geneticamente modificados e ameaça a segurança alimentar e a biodiversidade

Lidiane Ribeiro/Ibama
Lidiane Ribeiro/Ibama
Entidades em defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas apelidam projeto de Bolsonaro de "PL da devastação"

São Paulo –  O Projeto de Lei (PL) 191/2020 prejudicará a biodiversidade e a sociodiversidade brasileira e colocará em risco a segurança alimentar, segundo alerta o professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro, em sua coluna na Rádio Brasil Atual. De autoria do presidente Jair Bolsonaro, o PL, que em linhas gerais trata da regulamentação de mineração e da construção de hidrelétricas em terras indígenas, também busca liberar o cultivo de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) nos territórios dos povos tradicionais.

No texto, já no antepenúltimo artigo que trata das disposições transitórias, o governo reescreve o artigo 11.460/2007 que veda as pesquisas e o cultivo de transgênicos dentro de Unidades de Conservação e TIs, com exceção das Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Com a nova redação, as referências às terras indígenas são suprimidas e o cultivo de transgênicos fica proibido apenas nas UCs.

“Ou seja, aquilo que não está na lei pode”, adverte o geógrafo à jornalista Marilu Cabañas. “Sem nenhum pudor, ele tira a possibilidade de impedir o cultivo de transgênico em terras indígenas.”

Por conta do teor do projeto, que chegou a ser referenciado pelo presidente como “um sonho”, entidades em defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas vêm apelidando a medida como o “PL da devastação”. De acordo com os opositores, o governo Bolsonaro quer favorecer os interesses do agronegócio e dos ruralistas, incentivando a invasão das TIs e o cultivo de transgênicos, mas pode provocar consequências graves. 

“Manter a área sem transgênico é manter a possibilidade de que nós tenhamos no futuro em caso de necessidade. São áreas livre desse tipo de tecnologia que podem, a partir daí, produzir alternativas de cultivo para a reprodução da vida e de alimentos”, explica Wagner Ribeiro. “Esse conhecimento que os povos tradicionais indígenas possuem da manipulação das espécies é algo muito importante e pode ser ameaçado se nós tivermos a padronização dos padrões de cultivo por meio da introdução dos transgênicos.”

O Instituto Socioambiental (ISA) também apontou críticas ao cultivo de OGMs, citando “desdobramentos dignos de preocupação”. De acordo com a entidade, as sementes crioulas, usadas tradicionalmente pelos indígenas, poderão ser contaminadas e os povos originários ficarão reféns de “pacotes tecnológicos que vinculam o cultivo de sementes ao uso de agrotóxicos e outros aditivos caros e muitas vezes inadequados para os seus hábitos alimentares”. 

De acordo com o geógrafo da USP, o modo de agricultura dos indígenas desmonta o argumento de que é necessário produzir alimentos a partir de transgênicos. “A transgenia está focada basicamente em cultivos como soja, cana, então, na verdade, nós não precisamos da transgenia para alimentação, esse é outro mito que precisa ser dito. A grande massa da produção de alimentos vem de práticas tradicionais e agrícolas que não necessitam desse tipo de tecnologia”, destaca. 

Ouça a entrevista da Rádio Brasil Atual


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