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Congresso deve acelerar pauta do licenciamento ambiental

De acordo com o professor da USP Wagner Ribeiro, proposta atende interesse econômicos, em detrimento do bem comum, e pode repetir tragédias como Brumadinho e Mariana

Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Relator da projeto de licenciamento, Kim Kataguiri afirma ter recuado de alguns pontos do texto, mas manteve o autolicenciamento. Especialistas e entidades criticam também esse modelo

São Paulo – Na volta do Congresso Nacional, parlamentares se articulam para debater o texto do projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Já desde o começo do ano o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), fala de acelerar a votação da proposta e colocá-la em pauta ainda na semana que vem, a segunda do ano do calendário legislativo.

Atualmente, o principal elemento da Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento, é tema de projeto cuja relatoria está nas mãos do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) mas, na verdade, é uma discussão longa a antiga, que começa em 2004. O atraso é justificado pela sensibilidade do tema, que toca no uso da propriedade privada da terra no Brasil, afrontando diversos interesses, principalmente os empresariais.

No ano passado, por exemplo, a despeito dos trabalhos com deputados e membros da sociedade civil e do objetivo da nova legislação de regular as atividades econômicas com segurança para as pessoas e o meio ambiente, o relator apresentou uma versão que, na prática, liquidava qualquer possibilidade de regulação, fiscalização e controle do impactos ambientais dos empreendimentos, como diversas entidades criticaram à época, entre elas, o Observatório do Clima (OC). Segundo estudo do OC, a proposta de Kim ainda colocava em risco 22% das terras indígenas e 87% dos territórios quilombolas.

Ao jornal O Globo, no último dia 17, o deputado disse ter recuado de alguns pontos do texto, mas adiantou que nem todas as críticas ao seu parecer foram consideradas, como o de modelo de auto-licenciamento, que está mantido, criando a possibilidade do próprio empreendedor preencher o termo de adesão, ficando sujeito à fiscalização posterior. O que traz uma preocupação, como alerta o professor do Departamento de Geografia e do programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro em sua coluna na Rádio Brasil Atual.

De acordo com o geógrafo, o que tem sido dito por uma parcela dos parlamentares é que o licenciamento ambiental é visto como um entrave para o desenvolvimento do país, que seria um processo moroso, lento e burocrático quando, ao contrário, o principal problema é justamente o fato de ele ser autodeclaratório. “O empreendedor faz o estudo e, ao fazer o estudo, muitas vezes ele apresenta documentos com informações técnicas, não sem consistência”, explica.

“Aí acontece o que a gente chama de ‘ir e vir’, os técnicos que são responsáveis pelo licenciamento, uma grande gama de profissionais habilitados, acabam pedindo mais detalhamento técnico e isso então torna o processo moroso, porque na verdade como é auto-declaratório, os processos chegam com muita fragilidade e lacunas”. Segundo o professor, antes de ir à votação no Plenário, o texto que trata do licenciamento precisa contemplar os interesses do bem comum, para evitar que novos crimes socio-ambientais aconteçam.

“Brumadinho, Mariana e Barcarena são situações onde os impactos foram de grande monta e, aparentemente, estava tudo ok, porque os relatórios de impacto ambiental diziam que os estudos apontavam que havia medidas de mitigação e, na verdade, nada disso ocorre”, critica. “Temos um debate muito intenso e que agora o Kim quer acelerar, tornar a coisa menos burocrática. Menos burocrática e com menos rigor técnico na verdade vai facilitar a vida dos empreendedores e talvez tenhamos aí novas tragédias”, conclui o professor da USP.

Ouça a entrevista da Rádio Brasil Atual

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