Novo boicote

Nestlé deixará de comprar soja produzida em área desmatada da Amazônia

Gigante global da indústria alimentícia, Nestlé sai na frente. Mas outras companhias pretendem fazer o mesmo se Bolsonaro não preservar a floresta

Arquivo/Greenpeace
Arquivo/Greenpeace
Instalação do porto da multinacional estadunidense atraiu a produção de gado e de soja para a Amazônia

São Paulo – A defesa da total liberdade no uso da terra, livre de regras e fiscalização, que trouxe o apoio dos ruralistas à eleição de Jair Bolsonaro, está se revelando um tiro no pé. A produção brasileira de soja, que já sofria restrições no mercado internacional pelas toneladas de agrotóxicos que recebe, agora começa a ser rejeitada também por ser cultivada em áreas de desmatamento na Amazônia. A Nestlé, gigante global da indústria de alimentos, avisou que deixará de comprar soja da Cargill, que controla boa parte da exportação brasileira do grão.

Rússia manda Brasil reduzir agrotóxicos na soja. Caso contrário, deixa de comprar

Segundo artigo do jornalista Jacob Bunge publicado no último dia 25 no The Wall Street Journal o motivo é que boa parte da principal commodity agrícola brasileira é produzida em áreas desmatadas na Amazônia.

Bunge lembra que outras multinacionais estão colocando obstáculos na compra de outras commodities brasileiras por essa mesma razão. Em julho, a multinacional sueca da moda Hennes&Mauritz suspendeu a compra de couro brasileiro até que os exportadores demonstrem que seus produtos não têm origem em áreas desmatadas na Amazônia.

“É interessante notar que a Nestlé está sendo agora obrigada a adquirir soja produzida pelos Estados Unidos para substituir a produção oriunda da Amazônia, em que pesem os custos mais elevados da produção estadunidense. Este fato demonstra que mesmo grandes corporações que possuem alta capilaridade e clara dominância no comércio mundial de alimentos estão optando por se afastar da produção brasileira por causa das questões socioambientais associadas ao avanço da franja de desmatamento para o interior de áreas até agora intocadas da Amazônia brasileira”, comentou em seu blog o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Marcos Pedlowski.

Estudioso do tema, Pedlowski avalia que a importância e o peso econômico da Nestlé deverão influenciar outros grandes compradores da soja brasileira, com forte presença na circulação de commodities agrícolas, como é o caso da própria Cargill, agora pressionada pela Nestlé.

“É importante notar que essa decisão da Nestlé foi ignorada pela mídia corporativa brasileira que continua ‘passando o pano’ para a destruição acelerada dos biomas amazônicos que está sendo promovida pelo governo Bolsonaro e pelos governos dos estados da região. Entretanto, os barões do agronegócio (que até assinam o The Wall Street Journal) sabem  que terão de agir para não sofrerem um grande boicote já em 2020. Nesse sentido, apesar de todos os problemas que cercam a Nestlé, há que se reconhecer a importância de sua decisão. Que o exemplo frutifique rapidamente em 2020!”

Pela moratória da soja

Em 3 de dezembro, o jornal britânico The Guardian publicou que 87 das maiores empresas e fundos britânicos enviaram carta a Bolsonaro pedindo o fim do desmatamento da Amazônia para produção de soja. No pedido, eles destacam que a preservação da floresta amazônica é amplamente considerada por cientistas e ativistas como uma prioridade na resposta à crise climática. No entanto, lembram os líderes empresariais, “a Associação Brasileira de Agricultores de Soja (Aprosoja) patrocina campanha para acabar com a proibição voluntária do comércio de produtos colhidos em terras recém-desmatadas – ou seja, o fim da “moratória da soja“.

Entre os signatários da carta estão duas das maiores empresas de tecnologia do mundo, Google e Microsoft, algumas das maiores cadeias de supermercados da Europa e do Reino Unido, incluindo Aldi, Asda , Carrefour, Iceland, Marks & Spencer, Waitrose e Morrisons, e fabricantes de alimentos como Mars. Os investidores signatários, juntos, controlam ativos no valor de mais de 2,5 bilhões de libras. São empresas como a holandesa Robeco e o investidor canadense BMO Global Asset Management, além da Legal & General Investment Management, o maior gestor de ativos do Reino Unido.