De alto risco

Projeto que pode brecar obra da barragem de Pedreira será votado em fevereiro

Em tramitação na Câmara de Campinas, proposta proíbe barragem que não tenha plano de emergência - como a de Pedreira, em construção entre os dois municípios

Movimento #BarragemNão
Movimento #BarragemNão
Protestos: Construída entre Pedreira e Campinas, barragem terá 52 metros de altura para represar 38 milhões de metros cúbicos

São Paulo – A Câmara de Vereadores de Campinas, no interior paulista, vai votar em fevereiro o Projeto de Lei Ordinária (PLO) 32/2019, que proíbe a construção de barragens em território municipal que não tenha apresentado o respectivo plano de segurança nos moldes do exigido pela Lei federal 12.334, de 20 de setembro de 2010, e da Resolução 91, de 2 de abril de 2012, da Agência Nacional de Águas (ANA). De autoria da vereadora Mariana Conti (Psol), a proposta tem impacto direto sobre a barragem de Pedreira, que está sendo construída pelo governo do estado  entre os dois municípios e ocupará parte do perímetro campineiro.

“Pela legislação atual, o plano deve ser apresentado até a barragem entrar em operação. Ou seja, primeiro se constrói e depois se apresenta o plano. E se o projeto não oferecer a segurança, o reservatório vai deixar de receber água? Mas tem o dinheiro que foi gasto, o dano ambiental causado. Como a obra está consolidada, tudo isso vai forçar o seu uso”, disse a vereadora, em uma clara crítica ao modelo que privilegia o descaso em relação à segurança da população, o que em muitas vezes acaba em tragédias seguidas de impunidade.

A proposta foi apresentada no início de fevereiro, após o rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro. No entanto, o transbordamento do rio Jaguari devido a problemas no sistema de drenagem na obra da barragem, no começo do mês, que danificaram a estrada que liga os dois municípios e deixou parte da população sem água, chamou atenção chamou atenção da população para falhas no projeto. E para os riscos envolvidos. Mariana então recorreu a um dispositivo do regimento da Câmara, que permite acelerar a tramitação de projetos que estejam tramitando há pelo menos 90 dias.

Audiência pública

“Pelas vias normais, a análise e votação levariam muito mais tempo, já que interesses do governo estadual prevalecem na Câmara, o que é o caso desta obra. Como o PL recebeu parecer da Procuradoria, por trazer mudança no código de obras, terá mais 30 dias para essas adequações. Com isso, vai entrar em discussão no começo de fevereiro, quando deverá ser realizada uma audiência pública, ainda sem data marcada. A aprovação vai depender da mobilização social”, disse a autora do projeto.

A vereadora também é autora de um requerimento de moção pela paralisação da obra, aprovado na última semana, até que o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), responsável pela barragem, apresente um plano de segurança. Na avaliação da parlamentar, a barragem em construção pelo Consórcio BP, formado pelas construtoras OAS e Cetenco, tem muitas incertezas. A principal delas é a ausência de adutoras – tubulações que transportam água entre as unidades que constituem o sistema de abastecimento à população.

“Isso foi admitido pelo Daee em audiência pública. Mas para abastecer a população é preciso adutora, cujo custo é maior que o da própria barragem. Questionado, representante do Daee disse que projeto da adutora seria posterior, em outra obra, com outro licenciamento ambiental e outro financiamento. Ou seja, primeiro você constrói a barragem e depois pensa em como esse reservatório vai servir de fato para o abastecimento da população. Será que essa barragem é mesmo para abastecimento?”, criticou.

Para Mariana, esse aspecto é muito relevante, uma vez que o abastecimento é um argumento usado no convencimento da população e na propaganda oficial. “Mas tecnicamente não cumpre esse papel.”

Área de proteção

Enquanto a maior parte da barragem de 52 metros de altura e 600 metros de extensão está sendo erguida em Pedreira,  em uma das margens do rio Jaguari, o reservatório com capacidade para até 38 milhões de metros cúbicos de água, inundará uma porção da Área de Proteção (APA) Campinas, colocando água abaixo mais um pouco do que resta do bioma da Mata Atlântica existente no estado de São Paulo.

Para sair do papel, o projeto em execução contou com o afrouxamento da legislação da APA pelo prefeito Jonas Donizette (PSB). Antes da mudança, a lei protegia todos os fragmentos de mata da APA imprescindíveis para a fixação de água e prevenção da erosão.

Região de maior potencial hídrico da cidade, a APA é ao mesmo tempo de grande fragilidade – daí ter sido protegida por lei que, sob a justificativa de construção dessa barragem, foi alterada, permitindo a supressão de fragmentos de mata em nome do “interesse público”. Porém, a construção de grandes reservatórios, que surge como a saída milagrosa para o abastecimento, suprime os fragmentos que, pelos laudos técnicos, são fundamentais para garantir a produção de água. “Então há o risco de o futuro reservatório de Pedreira/Campinas ter o mesmo destino de outros durante a crise hídrica de SP em 2015: secar. Isso porque não havia recarga devido à falta de investimento na manutenção das nascentes, no desassoreamento dos rios e recuperação das matas ciliares”, destacou Mariana.