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Sínodo da Amazônia discutirá ações contra o desenvolvimento predatório e grandes obras

Faltando poucos dias para o evento, que reunirá bispos, religiosos e pesquisadores, parlamentares preparam relatório para contribuir com os debates

Paulo Santos/2001/Amazônia Sob Pressão
Paulo Santos/2001/Amazônia Sob Pressão
Amazônia: "Queremos pedir um não a projetos de mineração em territórios indígenas, não ao garimpo legal e ilegal na Amazônia, não à regularização de novos garimpos, não às rodovias, ferrovias e hidrelétricas", diz dom Evaristo

Brasília – “Quem tem interesse em criticar o Sínodo da Amazônia deve, antes disso, conhecer as dificuldades da região”. Com esta frase, o bispo Dom Evaristo Spengler, da prelazia de Marajó, no Pará, falou durante audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o evento da Igreja Católica, que começará domingo (6), no Vaticano, e vai discutir, durante todo o mês, novos rumos para a Região Amazônica, com recomendações aos povos e estratégias para os religiosos que vivem lá.

O bispo, que terá assento de destaque no evento, lembrou que o Sínodo não consiste numa questão pontual decidida há pouco tempo, mas faz parte de amplo debate que tem sido travado pela Igreja Católica desde a década de 90. Segundo dom Evaristo, o que está em jogo no território amazônico hoje é o que ele chamou de “disputa entre dois modelos de desenvolvimento”. “O primeiro modelo é predatório e o outro, socioambiental. O primeiro modelo está associado a exploração madeireira, pecuária extensiva, mineração irregular e exploração de energia e precisa ser combatido”, destacou.

De acordo com dom Evaristo, um dos pontos mais importantes na avaliação desse ambiente hoje observado na região é combater e rechaçar a mineração e as grandes obras. O que, a seu ver, vai de encontro aos interesses do atual governo. “Precisamos cobrar e atuar pela suspensão imediata de megaprojetos que agridem o bioma da Amazônia”, destacou.

A fala do religioso soou entre os parlamentares como uma espécie de prenúncio do que vai ser tratado em Roma em relação ao governo brasileiro.

Os deputados citaram na audiência, por várias vezes, as acusações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Primeiro, ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre a divulgação de dados relacionados ao avanço do desmatamento na região (alguns meses atrás), seguidas depois às críticas às organizações não-governamentais que lutam pela preservação da Amazônia de estarem forjando dados.

Além de críticas feitas por Bolsonaro aos povos indígenas durante discurso proferido na ONU e, por fim, ataques às empresas estrangeiras proferidos durante discurso dessa manhã. Um dos pontos principais da audiência foi o discurso proferido pelo presidente nesta terça-feira (1º). Ao se dirigir a um grupo de garimpeiros, no Palácio do Planalto, ele disse que “o interesse do estrangeiro não está no índio nem na porra (sic) da árvore, mas no garimpo”.

Financiamento público

“Queremos pedir um não a projetos de mineração em territórios indígenas, não ao garimpo legal e ilegal na Amazônia, não à regularização de novos garimpos, não às rodovias, ferrovias e hidrelétricas que destroem o meio ambiente. Nenhum grande projeto pode ser implantando sem a consulta prévia, livre e informada”, disse dom Evaristo.

O religioso ainda antecipou que uma das sugestões a ser feita é a adoção, pelos países, de linhas de financiamento público para apoio às comunidades tradicionais e os povos indígenas. “Até hoje, só acontece financiamento público para projetos predatórios e para pessoas que não são da Amazônia”, afirmou.

O bispo destacou que a igreja conhece bem a região, porque “mergulhou na Amazônia desde o século 17”. Afirmou que “os missionários chegam onde o Estado não chega, motivo pelo qual conhecem em profundidade a realidade da região”.

“Para vocês terem ideia dessa realidade, a área desmatada hoje na Amazônia concentra nove em cada 10 mortes de ativistas de direitos humanos do país”, acentuou.

Dom Evaristo também lembrou que além das pessoas que vivem em regiões inóspitas a Amazônia apresenta hoje grandes centros urbanos marcados por falta de saneamento básico, estrutura mínima de saúde pública e registros acentuados de exploração e abuso sexual de menores e de tráfico de drogas.

Campanha e relatório

O bispo de Marajó afirmou que a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vão lançar, após o Sínodo, uma campanha por mais proteção aos defensores da região. Ele acrescentou que considera “imprescindível, para manter a floresta em pé e a vida dos povos preservada que suas lideranças e comunidades ameaçadas estejam efetivamente protegidas de todo tipo de violência e ameaça que hoje estão sofrendo”.

Deputados integrantes de vários partidos estão elaborando um relatório sobre direitos humanos na Amazônia Legal a ser apresentado aos bispos durante o Sínodo. O documento ficará pronto, segundo o presidente da comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Hélder Salomão (PT-ES), até sexta-feira (4).

Em anexo ao relatório, serão enviados aos bispos em Roma outros três documentos, que falam sobre diligências realizadas pelos parlamentares para averiguar problemas no sistema carcerário da região, deficiências e problemas vividos entre as comunidades quilombolas e entre as comunidades indígenas. “Trata-se de um documento plural”, afirmou Hélder Salomão.

O coordenador do núcleo de estudos amazônicos e do centro de estudos da Universidade de Brasília (UnB), Manoel Pereira de Andrade, disse que o Sínodo está sendo visto por diversos segmentos como o que ele chamou de “uma espécie de vento fresco nesse calor que estamos vivendo atualmente”. “É uma brisa que chega para todos nós e inclusive para a universidade, uma iniciativa que nos anima”.

De acordo com o pesquisador, o evento pode servir de exemplo a ser seguido por outras instituições e movimentos como forma de estimular o diálogo com o povo da Amazônia e fortalecer suas lutas e seus bens.

Reflexões sobre o desenvolvimento

O deputado José Ricardo (PT-AM) lembrou as declarações do Executivo de que bispos brasileiros estariam sendo investigados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e afirmou que a perseguição é mais um motivo para acreditarem que o Sínodo contribuirá para uma reflexão do tipo de desenvolvimento que se quer para a região.

O deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) questionou os atuais rumos do governo Bolsonaro. “Estamos vivendo um momento de agonia diante de um discurso que nos desafia a toda prova. Até onde vamos suportar, e a própria sociedade vai suportar, a postura de um governo que caminha na contramão dos interesses de toda a humanidade? Temos de considerar esse evento que acontecerá em Roma um sinal de esperança e saudar a Igreja Católica por chamar esse debate”, declarou.

Previsto para começar no domingo, o Sínodo da Amazônia pretende reunir 250 bispos para discutir novos caminhos para a região, que se estende por nove países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela) e abrange, hoje, 34 milhões de pessoas.

Fazem parte da pauta de discussão do evento, a criminalização e o assassinato de líderes e ativistas que defendem o território; apropriação e a privatização de bens naturais, incluindo a água; concessões de abate legal de árvores e o abate ilegal; práticas predatórias de caça e pesca, sobretudo nos rios e megaprojetos de infraestrutura, como concessões hidroelétricas e florestais, abate de árvores para a produção de monoculturas, estradas e ferrovias, projetos mineiros e petrolíferos.

Os religiosos pretendem discutir ainda a questão da poluição provocada por toda a indústria extrativa, que causa problemas e doenças, em particular às crianças e jovens; o narcotráfico; problemas sociais – como o alcoolismo, a violência contra as mulheres, a exploração sexual, o tráfico de seres humanos, a perda da cultura e identidade originárias (língua, práticas espirituais e costumes) e a condição de pobreza no seu todo, à qual estão condenados os povos da Amazônia; a falta de demarcação dos territórios indígenas e a falta de reconhecimento do seu direito à terra; o distanciamento dos padres das comunidades amazônicas e o crescimento das igrejas pentecostais e evangélicas na região.

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