IMPACTO

MPF pede ajuste na licença de Belo Monte: ‘Não se pode matar a Volta Grande do Xingu’

Órgão recomendou ao Ibama mudanças que garantam a vazão mínima para manutenção da vida em 100 km do rio Xingu

Catarina Barbosa/Brasil de Fato
Catarina Barbosa/Brasil de Fato
A Volta Grande do Xingu possui uma extensa biodiversidade. No local, comunidades indígenas e tradicionais dependem do rio para sobreviver

Brasil de Fato – O Ministério Público Federal (MPF) emitiu na última semana uma recomendação ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) quanto à licença de operação de Belo Monte, no sudoeste Pará. Segundo o MPF, da forma como existe hoje, a licença não garante a manutenção da vida na Volta Grande do Xingu, já impactada com a construção da usina hidrelétrica.

O prazo fixado para um posicionamento do Ibama é de 20 dias, a contar do dia 4 de setembro, e o MPF não descarta judicializar o caso se os ajustes não forem realizados. O Brasil de Fato entrou em contato com o Ibama, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

“Nós acreditamos que o Ibama, ao analisar as informações que recebeu, tenha condições de tomar uma decisão que beneficie e cumpra o seu papel de órgão ambiental e licenciador”, afirma o procurador da República, Ubiratan Cazzetta.

Ele explica que, desde o início do licenciamento de Belo Monte, tanto na fase de instalação quanto de operação foram propostas algumas condicionantes.

Uma delas foi o cálculo de um “hidrograma de consenso”. Trata-se de uma forma artificial de reproduzir o pulso sazonal de cheias e secas que caracterizam as vazões naturais do Rio Xingu, a partir dos estudos sobre os vários tipos de uso que a água pode ter naquela região.

Cerca de 100 quilômetros do rio serão desviados e o hidrograma deveria ser capaz de garantir a sustentabilidade socioambiental na região. Essa avaliação deveria ser feita por um período de seis anos, a partir da instalação da plena capacidade de geração da usina – prevista para novembro deste ano, quando será instalada a última turbina.

“No caso da Volta Grande do Xingu, temos uma área de 100 quilômetros que vai deixar de ter a água fluindo normalmente e que vai ser derivada para um canal artificial. Esse canal artificial vai ser deslocado para geração de energia na usina hidrelétrica de Belo Monte. É preciso se definir quanto de água será usada para manter a vida desse rio e quanto de água será levada para geração de energia”, explica Cazzetta.

O hidrograma de consenso foi definido em um documento construído pelo Ibama, a Norte Energia – construtora de Belo Monte – e a Agência Nacional de Águas (Ana). O procurador afirma, porém, que desde a concessão da licença prévia de Belo Monte, o próprio Ibama diz que a aplicabilidade do hidrograma é incerta.

“Quando se fez a licença prévia em 2011, o Ibama mesmo disse ‘não sei’. Os técnicos afirmaram não saber se os vários cenários do estudo de impacto ambiental para a quantidade mínima de água a ser mantida na Volta Grande do Xingu, no trecho de vazão reduzida, qual seria essa quantidade mínima e como ela reagiria. A premissa é: não se pode matar a Volta Grande do Xingu”, assinala.

A recomendação emitida pelo MPF, se atendida, não inviabilizaria a inauguração das turbinas. A geração de energia seria, apenas, reduzida.

“O que vai acontecer é a redução da quantidade de água que vai ser dirigia para a produção de energia. Então, as turbinas podem ser inauguradas só que a quantidade de energia a ser gerada vai ser afetada pela nova distribuição do uso da água”, explica.

A vida da Volta Grande

A Volta Grande do Xingu é morada de espécies raras de peixes como o acari-zebra, que corre risco de extinção com a nova configuração de água do rio.

Além disso, comunidades indígenas e ribeirinhas dependem do rio para sobrevivência. Desde dezembro de 2017, está suspensa, por decisão da justiça, a licença de instalação de Belo Sun, que pretende instalar o maior projeto de mineração a céu aberto do Brasil na Volta Grande. O procurador reforça que o local não tem estrutura para receber o empreendimento.

“Com o hidrograma de consenso ainda em estudo, ou seja, seis anos para identificamos qual é a quantidade mínima necessária de água para subsistência do Rio Xingu, qualquer outro empreendimento impactante, especificamente, um do porte da Belo Sun é um risco muito além do suportado – um risco tão severo quanto seria o de se ter uma estação de ouro do porte com que Belo Sun está desenhado com uma bacia de rejeitos extremamente perigosa e que em caso de vazamento cairia exatamente nesse rio que já estaria sob um estresse excessivo”, argumenta Cazzetta.

Os problemas e as fragilidades do hidrograma de consenso foram comunicados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos há mais de um ano, em uma articulação entre o Instituto Socioambiental, indígenas, atingidos por barragens e a Associação Interamericana para Defesa do Ambiente (AIDA). O relatório entregue em setembro de 2018 deixa claro que povos indígenas e ribeirinhos, peixes endêmicos e centenas de espécies de plantas podem sofrer impactos irreversíveis por conta da falta de água na Volta Grande do Xingu.