São Paulo

Ex-secretário da Saúde afirma desconhecer propina para fundação não recorrer de multa

Giovanni Guido Cerri era titular da pasta quando Furp foi obrigada a pagar indenização e podia ter recorrido da sentença

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Gestão tucana. Fundação que deveria fabricar remédios populares está no centro de investigações de corrupção pela Alesp

São Paulo – O ex-secretário estadual da Saúde de São Paulo (2011 a 2013) Giovanni Guido Cerri negou hoje (17) que soubesse de um esquema de propina para que a Fundação para o Remédio Popular (Furp) não recorresse de uma decisão judicial que determinou uma indenização de R$ 18,9 milhões ao consórcio que construiu a fábrica na cidade de Américo Brasiliense, no interior do estado. Ele era chefe da pasta no período em que a Furp foi instada a recorrer e deixou o cargo um mês antes do trânsito em julgado da sentença – quando não é mais possível recorrer.

O esquema foi denunciado ao Ministério Público paulista há dois anos, em delações realizadas por dois ex-executivos da construtora Camargo Corrêa. Segundo eles, o engenheiro Ricardo Luiz Mahfuz, à época funcionário da estatal, propôs um acordo para que a estatal não recorresse da decisão judicial. Para isso, o consórcio deveria pagar 10% do valor ao então superintendente da Furp e atual coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Flávio Vormittag (cerca de R$ 1,9 milhão). Mais R$ 400 mil ao próprio Mahfuz, por intermediar o esquema de corrupção.

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga denúncias sobre a Furp na Assembleia Legislativa paulista, Cerri defendeu o currículo de Vormittag e disse que a Furp tinha autonomia administrativa. “Ele teve atuação de destaque em vários laboratórios privados do país. Tinha todas as credenciais para ser superintendente da Furp. Não houve decisão minha (de não recorrer), isso nunca foi discutido no meu gabinete”, disse o ex-secretário. Ele também disse desconhecer denúncias de propina na gestão de Luiz Roberto Barradas Barata à frente da secretaria.

Primeira delação

As situações ocorreram nos governos de José Serra (2007-2010) e Geraldo Alckmin (2011-2018), ambos do PSDB, e envolveram funcionários da Furp e da Secretaria de Estado da Saúde. A construção da fábrica da Furp teve início em janeiro de 2006. O consórcio formado pelas construtoras Camargo Corrêa, OAS, Schahin Engenharia e Planova venceu a licitação. A fábrica foi entregue em 2009, mas nunca atingiu a plena capacidade de produção de medicamentos.

A primeira delação foi assinada por Martin Wende, então gerente executivo da Camargo Corrêa na construção da segunda etapa da unidade fabril da Furp em Américo Brasiliense, no interior de São Paulo, em fevereiro de 2017. No relato, ele conta que, após a aprovação do quinto termo aditivo do contrato para a construção da fábrica, em 25 de agosto de 2008, soube por Carlos Henrique Barbosa Lemos, então diretor regional da construtora OAS, que o consórcio teria de efetuar um pagamento de R$ 2 milhões a João Batista, assessor do ex-secretário de Estado da Saúde Luiz Roberto Barradas Barata, morto em 2010.

Desse total, R$ 1 milhão foram pagos. A outra parte foi condicionada a um pedido de reequilíbrio econômico feito em 2008, e não atendido pelo governo paulista. O pleito deveu-se aos atrasos na liberação de projetos de climatização pela Furp. Sem acordo, as empresas do consórcio ingressaram com uma ação indenizatória na Justiça paulista, em 2012. As construtoras conseguiram a vitória judicial em setembro de 2013 e foi fixada uma multa no valor de R$ 18,9 milhões, referente aos 16 meses de atraso nas obras.

Compensação

O então gerente disse ter levado o caso a uma reunião com Ronaldo de Paula Tonini, representante da Schahin; Yves Verçosa, representante da OAS; e Cláudia Sofner, representante da Planova. Wende relatou que todos concordaram com o pedido R$ 2,3 milhões. Como a Camargo Corrêa não podia fazer o pagamento diretamente, foi acertada uma compensação de valores entre a construtora e a Schahin. Os valores seriam abatidos de uma dívida da Schahin na construção de um hospital no Pará.

A Furp realmente não questionou a decisão judicial e o processo foi encerrado em 6 de março de 2014, com a assinatura do acordo judicial. Cada empresa teria de arcar com um percentual relativo à sua participação no consórcio. No entanto, com o início da Operação Lava Jato, os pagamentos foram interrompidos. E até hoje a Camargo Corrêa não conseguiu o termo de encerramento da obra. Isso porque, segundo relatou Wende, toda vez que solicitavam o documento eram cobrados do pagamento do restante da propina, tanto por Mahfuz como por Adivar Cristina, ex-diretor técnico da Furp.

As informações do esquema de corrupção foram confirmadas em delação assinada por Emílio Eugênio Auler Neto, então diretor Comercial e Institucional Sul e Sudeste da Camargo Corrêa, que era chefe de Wende. Os acordo são assinados pelo promotor de justiça Marcelo Batlouni Mendroni, do Grupo Especial de Combate a Delitos Econômicos (Gedec) do Ministério Público. O caso corre em segredo de justiça e todos os envolvidos negam participação no esquema. Apesar das delações terem sido feitas há dois anos, o MP ainda não apresentou denúncia sobre o caso.

Ouvido pelos deputados da CPI da Furp, Mahfuz negou as acusações de corrupção. “Sempre tive uma relação normal com o consórcio responsável pela obra e nunca houve nenhuma situação de me oferecerem coisa alguma”, afirmou. Adivar Cristina também prestou depoimento à CPI, negou envolvimento e disse desconhecer qualquer “tipo de esquema de corrupção dentro da Furp”. Vormitag disse que o acordo foi aprovado pela diretoria da Furp e que era vantajoso para o governo estadual. “O acordo celebrado pela FURP com o consórcio foi vantajoso para a empresa e minha participação na sua negociação seguiu absoluta normalidade”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.