Predatório

Nem empresários concordam com projeto de Kataguiri para licenciamento

Relatório é duramente criticado por ambientalistas, gestores, parlamentares e representantes de estudantes, trabalhadores, do Ministério Público e até da Fiesp

Lalo de Almeida/Folhapress
Lalo de Almeida/Folhapress
Pela proposta de Kataguiri, a pavimentação BR 319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), dispensa o licenciamento ambiental

São Paulo –  Pela mais recente versão do substitutivo do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) para o Projeto de Lei Geral do Licenciamento 3.729/2004, impactos classificados como indiretos ficam isentos de licenciamento – que é a única ferramenta de controle social sobre obras que afetam a vida das pessoas. Com isso, ficaria aberto caminho para o aumento do desmatamento, além de conflitos socioambientais. A definição de auto-licenciamento por adesão e compromisso torna-se regra para todos os empreendimentos que não não causem “significativo” impacto.  Entre eles, pavimentação em rodovias, inclusive na Amazônia, a BR 319, com 700 quilômetros, que liga Manaus a Porto Velho, dispensa o licenciamento ambiental. A mudança praticamente acaba com o licenciamento regular, tornando comum desastres como os de Mariana e Brumadinho.

Estados e municípios ganham a prerrogativa de dispensar licenciamento, o que pode trazer conflitos entre os entes federativos. Fica dispensado o licenciamento para atividades impactantes ao meio ambiente, porém, consideradas de “melhoria” e “modernização” de infraestrutura de transportes e para atividades agropecuárias inscritas no Cadastro Ambiental Rural. Áreas protegidas espalhadas pelo Brasil, sendo 29% de terras indígenas, 87% de territórios quilombolas e 543 unidades de conservação da natureza deixam de ter avaliação de impactos. E instituições financeiras deixam de ser responsabilizadas por dano ambiental.

Esses e outros pontos do substitutivo foram duramente criticados hoje por ambientalistas, gestores, parlamentares e representantes do Ministério Público, de estudantes, trabalhadores e até da Fiesp em seminário realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo por iniciativa do mandato da deputada Marina Helou (Rede).

Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) disse que o texto, que desprezou todas as sugestões apresentadas em audiências públicas, parece ter sido “construído em conversas com os setores mais atrasados do agronegócio, infraestrutura e financeiro”. “Ninguém nas audiências públicas disse que os quilombolas não precisariam ser consultados, como aparece no texto. Conquistas históricas estão sendo usadas como moedas de troca. Não podemos aceitar. Conclamo todos a fazermos um grande movimento, porque esse projeto vai a votação”, destacou.

Juntamente com Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que também esteve no seminário, e Talíria Petrone (Psol-RJ), Tatto assina um relatório alternativo ao de Kataguiri, com sete pontos divergentes. Clique aqui para acessar.

Predatório

“O empresariado consciente não se coaduna com esse desmonte, com esta escalada da delinquência, a legalização do capitalismo predatório; está consciente de que não há saída fora do desenvolvimento sustentável”, afirmou o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Ricardo Young.  Ele citou a ministra da Agricultura de Dilma Rousseff, Katia Abreu (PDT-TO), e o ministro que a sucedeu com a tomada do governo por Michel Temer (MDB-SP), Blairo Maggi (DEM-MT). Desafetos dos ambientalistas, ambos já foram agraciados com o “prêmio motosserra” e  passaram a se posicionar de maneira contrária à política ambiental de Jair Bolsonaro (PSL) – à qual o texto de Kim Kataguiri está alinhado.

A pergunta que tem de ser feita, segundo Young, é a quem interessa essa legislação. “A quem serve essa tentativa de proteger o pior capitalismo e pior empresariado? Por que os que têm responsabilidade estão construindo ouvindo ambientalistas”.

Representando a Associação Brasileira dos Membros de Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa), o promotor público de São Paulo José Eduardo Ismael Lutti advertiu que políticas amparadas por legislação que afrouxam regras que deveriam ser reforçadas são “um tiro no pé”. “A judicialização vai ser enorme. Não basta simplesmente mudar a lei. Temos 30 anos de jurisprudência. E também não é vendendo o meio ambiente que vamos dar emprego para os milhões de desempregados. Temos de ter coragem de sair às ruas e pedir sustentabilidade ambiental”, disse.

A Abrampa divulgou no último dia 8 nota em que manifesta publicamente seu temor com mudanças que podem causar batalhas judiciais intermináveis, perda de financiamento, barreiras comerciais e desastres ambientais.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também mandou representante. O presidente do conselho de meio ambiente da entidade, Eduardo San Martin, destacou que o licenciamento ambiental “é fundamental para termos desenvolvimento e qualidade de vida”. E lembrou que, se houvesse licenciamento ambiental na primeira metade do século 20, certamente não teria sido instalado um polo petroquímico em Cubatão, que mais tarde levou a todo um processo de controle das emissões de poluentes. “Queremos o que for melhor para a sociedade. O que for melhor para a sociedade é melhor para a indústria”.

Participaram ainda representantes das organizações SOS Mata Atlântica, Greenpeace, Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anama) além de professores e estudantes da USP, entre outros. Convidado, o deputado Kataguiri não compareceu.