Crimes ambientais

Brasil precisa adotar uma mineração mais justa e soberana

Convidado de Juca Kfouri, no 'Entre Vistas', da TVT, o geógrafo Wagner Ribeiro fala sobre a necessidade de um Estado forte e que imponha limites aos interesses das mineradoras. Nesta quinta, às 22h

São Paulo – “O empresário vai no limite da lei porque quer maximizar o lucro.” Para o professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro, essa é a relação das empresas de mineração com o país de onde tiram a riqueza. E está na base do crime ambiental da Samarco que atingiu Mariana, há três anos e três meses, e do que matou centenas de moradores e trabalhadores da Vale, em 25 de janeiro, em Brumadinho.

Wagner, colunista da Rádio Brasil Atual, é o convidado de Juca Kfouri no programa Entre Vistas, da TVT, que está em novo horário: todas as quintas-feiras, às 22h. Participam também a bióloga Camila Brito, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e Fabiana Ferreira Alves, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.

Segundo o geógrafo, a economia dessas empresas, ao não atender a todos os requisitos de segurança, é irrisória. E a indenização jamais cobrirá os estragos. “Estamos falando de crime de curto, médio e longo prazo. A qualidade da água do Paraopeba nunca mais será a mesma. Isso está sendo visto no Rio Doce. Não tem como precificar a vida. Tem de zelar para que não ocorra”, ressaltou.

Para ele, crimes ambientais como esse levam a uma questão fundamental: a imposição de limites aos interesses das mineradoras, quando o que está em jogo são vidas humanas. “Não dá mais falar de acidente se tudo que a imprensa tem informado se confirmar.”

Camila, do MAB, compara as barragens a bombas-relógio e questiona Wagner sobre as medidas que devem ser tomadas pelo Estado. 

“Temos de ter um Estado forte, atuante, por uma mineração mais justa e soberana. Um corpo técnico competente para fiscalizar imediatamente”, responde o professor, lembrando que a barragem da Vale na mina do Córrego do Feijão havia sido vistoriada em setembro e janeiro. “Ou seja, é preciso ser mais rigoroso. O Chile, por exemplo, não tem mais esse tipo de barragem com água. É preciso ver como autorizar sem ter impacto ambiental.”

O geógrafo critica o governo passado, que após o golpe flexibilizou ainda mais a legislação. “Quando ocorreu Mariana, na ocasião afirmei que iria acontecer de novo. E se nada for feito vai se repetir.”

Não tem ideologia

O professor lembrou que as preocupações com o meio ambiente são prementes em todo o mundo. “Falta de água, aquecimento global, famílias e trabalhadores mortos, são problemas reais e não têm nada de ideológico”, disse, parafraseando o ministro Ricardo Salles, responsável pela área no governo de Jair Bolsonaro, que pretende “preservar o ambiente sem ideologia”.

Fabiana Alves, do Greenpeace, relatou que a entidade solicitou em carta a Salles e ao almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, ministro de Minas e Energia, a suspensão das operações das 167 barragens de rejeitos de mineração de propriedade da Vale e suas subsidiárias em todo o país, até que a devida fiscalização, com laudos realizados ou contratados por agentes do governo, seja feita e constatada a segurança da atividade.

Sobre a questão ideológica, Fabiana explicou que o Greenpeace é independente de governo, empresas, e não se posiciona politicamente. “Estamos preocupados com o meio ambiente e os direitos sociais decorrentes disso”, afirma. “Aquilo não é lama, é lixo tóxico que atingiu o rio, a fauna, rebanhos que vão voltar para tomar aquela água contaminada. Pássaros vão voltar ao local e vão se contaminar. Em 20 anos vão surgir sintomas e se não houver uma análise de impacto ambiental séria, não conseguirão provar que a Vale foi responsável.”

O MAB considera “muito grave” que não exista uma política para garantir os direitos da população. “Após três anos do crime de Mariana os problemas vão se renovando. Tem a água contaminada, a poeira, a desestruturação familiar, da comunidade. Daqui a dez anos em Mariana, Brumadinho, o que teremos?”, questiona Camila. “É uma incerteza e não se fala em reparação de danos. Não teve casa construída em Bento Rodrigues (área mais atingida no crime da Samarco, em Mariana).”

Também para o Greenpeace, o que ocorreu no rompimento dessas barragens foi crime. “Falamos que poderia acontecer de novo. Pulam-se etapas para licenciar no Brasil. É muito importante que se tenha leis adequadas. A Vale tem de ser responsabilizada. O número de mortes é quase um assassinato o que a Vale fez.”

Wagner critica a precificação da vida pela Vale. “É um pensamento monetizado. Uma vida vale só 100 mil reais? Uma vida não tem preço, o alcance para o curto e médio prazo no país, tudo isso pode ser evitado. Mas falta uma mineração que não vai levar à destruição”, avalia o professor, para quem a prisão dos engenheiros, terceirizados e funcionários da Vale, foi excesso. “Fizeram a parte deles, apontaram tudo dentro das normas da boa engenharia. Por que a empresa não levou em conta o laudo técnico?”, questiona.

O geógrafo lembra que a Vale está associada a grandes mineradoras do mundo. “Mas fica perpetrado é o que lado australiano esquece o que faz lá quando opera aqui” As empresas, para ele, deveriam ser obrigadas a criar um fundo de emergência, com gestão do Estado e participação da comunidade.

Camila, do MAB, destaca que o modelo de mineração que impera no Brasil criou no imaginário popular a ideia de que cidades e moradores dependem da empresa. “Mas a Vale é que depende de Brumadinho. A Samarco é que depende de Mariana. Essas populações foram atingidas e quem perdeu seus empregos nas cidades, deve ser indenizado também. Se a economia local foi prejudicada, tem de ter indenização para todos.”

Wagner concorda. “A lavra é uma concessão do Estado, que pode deixar de conceder”, explica. “A jazida está lá e cabe ao Estado dizer se usa ou não usa e como vai usar. Daí a importância do licenciamento. Tem de averiguar a situação de cada barragem, inclusive as inativas. Salvaguardar o interesse geral e o da população.”

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