Descaso e perversidade

Articulação internacional pede destituição da diretoria da Vale

Para grupo que congrega seis países onde a Vale atua, rompimento da barragem em Brumadinho tem direta relação com atuação da empresa

Ricardo Stuckert e Vale/Divulgação

Crime ambiental matou centenas e cobriu Brumadinho de lama tóxica; Vale é presidida por Fabio Schvartsman

São Paulo – A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale é uma rede que congrega, desde 2009, diversos grupos da sociedade civil no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Canadá, Moçambique, com o objetivo de promover estratégias de enfrentamento aos danos ambientais e às violações de direitos humanos relacionados à indústria extrativa da mineração. Entre 29 de janeiro e 5 de fevereiro, essa missão de observação, solidariedade e apoio esteve no município de Brumadinho, em Minas Gerais. E, diante da avaliação, apresentou junto ao Conselho de Administração e ao Conselho Fiscal da empresa pedidos de imediata destituição da diretoria executiva da Vale.

Em documento, a missão destaca que tudo que foi observado refere-se a uma “fotografia” dos primeiros dias após o desastre. “A multiplicidade de atores envolvidos, a complexidade das situações vivenciadas e a velocidade dos acontecimentos (…) tornam as observações preliminares desta missão passíveis de mudança”.

Mas, deixam claro, “os acontecimentos que redundaram no rompimento da barragem de rejeitos da Vale não são fortuitos e decorrem de um comportamento da empresa que se repete nos diversos locais em que desenvolve as suas operações”. 

Em suas observações preliminares, a Articulação Internacional ressalta que conferir à Vale o papel de articuladora e principal informante sobre o estado e condição das vítimas, como está acontecendo, configura uma perversa e descabida inversão de papéis. “Esta situação verificou-se, em especial, na gestão, compilação e publicização das listas de pessoas vitimadas por esse desastre, que constam tanto no rol de vítimas fatais como desaparecidas.” 

Para os observadores internacionais, essa confusão de papéis é decorrência da desmontagem e submissão do Estado brasileiro, que, em seus múltiplos órgãos e agências, segue a agenda do “modelo de exploração privatista e neo-extrativista”, predominante nas últimas duas décadas. “A facilitação e flexibilização que passaram a beneficiar a instalação e operação desses empreendimentos conectam-se, do outro lado da catástrofe, com a autorização implícita para que a Vale S.A. concentre em si os processos de decisão e gestão das demandas das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem.”

Dentre os pontos observados, está a recusa da Vale em se negar a fornecer às famílias de pessoas reconhecidamente mortas ou ainda desaparecidas cópia da minuta do termo pelo qual firma um contrato de doação de 100 mil reais. “A missão entende que se trata de um assunto de interesse público, e que é papel das organizações que atuam por meio da Articulação, bem como de outras organizações e instituições, zelar pelos direitos das populações atingidas. Neste sentido, monitorar o modo como se dá a formalização destes contratos é essencial para garantir que não haja qualquer direito sendo suprimido nesta pactuação.”

A missão internacional critica, ainda, “as exigências estabelecidas pela empresa para o efetivo acesso das famílias à referida quantia, baseadas em um conceito de família que não necessariamente se observa na realidade”.

O 13º dia do crime da Vale

Segundo informações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), até as 12h de 6 de fevereiro, 13º dia do crime da Vale, foram encontradas 150 vítimas fatais, das quais 134 identificadas. Há mais 182 pessoas sem contato ou desaparecidas, entre trabalhadores e moradores de Brumadinho. Outras 103 estão desabrigadas. Desde o último domingo, o comunicado com a atualização dos dados de resgate vem sendo feito somente às segundas, quartas e sextas-feiras. 

O resgate conta com o trabalho de 387 bombeiros e 12 helicópteros envolvidos. Os estados envolvidos nas buscas são São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná, Bahia e Maranhão, além do Distrito Federal. O Corpo de Bombeiros afirma que as buscas serão ininterruptas e ainda não têm previsão para acabar.

Será iniciada, na quinta-feira (7), a construção de uma ponte entre a comunidade de Córrego do Feijão – onde a barragem rompeu – e o município de Brumadinho, uma vez que a estrada que liga os locais está encoberta de lama. Os custos cobertos pela Vale e a previsão de término é de três semanas. 

As aulas em Brumadinho terão início na segunda-feira (11) e o transporte escolar também ficará a cargo da Vale.

Engenheiros libertados

Na terça-feira (5), a 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para a libertação dos três funcionários da Vale e dos dois engenheiros terceirizados, da empresa Tüv Süd, consultoria que atestou a segurança da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Para o relator do caso, ministro Nefi Cordeiro, não há existência de nenhum dos riscos exigidos pela lei para a prisão temporária. “Trata-se de imputação criminal pelo resultado, sem sequer especificação de negligência ou imperícia na modalidade culposa, ou mesmo de fraude dolosa na inserção da falsa conclusão técnica – em indevida reprovação judicial de opinião técnica.”

A prisão preventiva revoltou colegas dos engenheiros.