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Tragédia em Brumadinho é ‘crime ambiental coletivo’, alerta professor

Professor da USP, geógrafo Wagner Ribeiro destaca a responsabilidade de atores políticos no processo de favorecimento do modelo privatista de mineração operada pela Vale. Entre eles, o ex-presidente, Michel Temer

Corpo de Bombeiros/divulgação

No ano passado, Temer vetou criação de 130 cargos que poderiam atuar na fiscalização das mineradoras

São Paulo – Em entrevista à Rádio Brasil Atual na manhã desta segunda-feira (28), o professor do departamento de Geografia e do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro chama a atenção para o envolvimento de políticos que também devem ser responsabilizados pela justiça diante da tragédia do rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), na sexta-feira (25). Ao menos 60 pessoas foram encontradas mortas e 292 estavam desaparecidas até as 14h30 do mesmo dia.

“Tem uma série de atores que precisam ser lembrados nessa hora. É claro que há um responsável direto, mas há outros que precisam ser lembrados. É um crime ambiental coletivo, que tem ali várias fontes”, afirma o professor ao jornalista Glauco Faria.

Entre os responsáveis para além da empresa Vale e de seus dirigentes, o professor destaca a atuação dos deputados estaduais mineiros Thiago Cota (MDB), Tadeu Martins Leite (MDB) e Gil Pereira (PP) que, no ano passado, vetaram um projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais que tratava do endurecimento de leis sobre o funcionamento das mineradoras.

Além do ex-presidente Michel Temer que, no ano passado, sancionou a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e,  alegando “evitar aumento de despesas”, vetou a criação de 130 cargos comissionados que poderiam atuar na fiscalização das mineradoras. Ribeiro também reiterou a necessidade de a Vale tornar público o documento da consultoria internacional que avaliou o complexo das barragens em Brumadinho.

A responsabilidade da Vale

professor da USP afirma ao jornalista que o crime ambiental que vitimou a cidade da região metropolitana de Belo Horizonte revela a falência do modelo privatista da exploração mineral. Para Ribeiro, tal modelo tem levado a diversas situações de alto risco. Ele lembra que, há três anos e dois meses, outro crime semelhante ocorreu na cidade de Mariana (MG), deixando 19 pessoas mortas, parte da Bacia do Rio Doce contamina por rejeitos e milhares de pessoas desabrigadas.

“O empresário trabalha no limite inferior da lei, como a gente costuma dizer, e na maximização do lucro e aí ele vai adotar as medidas mais baratas para poder lucrar mais e remunerar melhor os acionistas e aí começa os problemas”, explica Ribeiro.

“Nós podemos ter outras ocorrências dessa ordem, sob uma forma de operar que já vem de 10, 15 anos atrás. De fato, esse modelo tem que ser revisto e isso mostra ao setor da mineração que só um Estado forte, atuante e com uma equipe técnica qualificada pode salvaguardar o interesse comum, o interesse da sociedade, diante do interesse do minerador”.

Flexibilização no novo governo

Na análise do professor, o crime ambiental em Brumadinho, reitera a importância do licenciamento ambiental para o Brasil. “Digamos que é o único lado positivo dessa catástrofe”, avalia.

Diante das propostas do presidente Jair Bolsonaro e da gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente de Ricardo Salles, Ribeiro contesta a defesa por maior flexibilização nas leis ambientais, principalmente na área da mineração, responsável agora por um dos maiores acidentes ambientais do país.

“Isso claramente confronta essa divisão míope que confunde a questão ambiental com ideologia, o que é de fato um retrocesso assustador. A questão ambiental está consolidada no mundo desde a década de 1970″, ressalta. “Não há nada de ideológico, ela salvaguarda interesses gerais contra o interesse do indivíduo do empreendedor, não o proíbe de fazer o que ele quer, mas ele tem que fazer à luz do interesse geral”.

Justiça aos atingidos 

A forma como a justiça brasileira conduziu os processos contra a Samarco, responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, revela-se como um exemplo que “não deve ser seguido” na condução das investigações e culpabilização dos envolvimentos da mais nova tragédia ambiental, de acordo com o professor. 

Isso porque, segundo Wagner Ribeiro, as soluções aplicadas em Mariana, não foram suficientes para dar assistência às vítimas, como a criação de uma fundação para dialogar com os atingidos pela barragem, que só eliminou a interlocução direta com a Samarco. 

“Já sabemos o que não devemos fazer, nada de criar fundação como no caso da Samarco, criou-se lá a Fundação Renova e, ao que tudo indica, foi o pior cenário possível, já que até agora apenas uma das dezenas de multa foi paga”, afirma o professor acrescentando a necessidade de a justiça adotar uma postura mais efetiva na condução dos problemas

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