Tragédia

‘Legislativo, Executivo, Ministério Público, somos todos responsáveis por Brumadinho’

Segundo deputado Leonardo Monteiro, há mais de 400 barragens em Minas, a maioria com problemas. 'A Vale tem barragem em Itabira com risco de romper a qualquer momento'

Vinicius Mendonça/Ibama/Fotos Públicas

Ainda não se pode prever se a onda tóxica chegará à foz do rio Paraopeba, um dos principais afluentes do São Francisco

São Paulo – Ainda não se pode prever se a onda formada por rejeitos minerais, terra e água, que avança em direção à Bacia do Rio São Francisco, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, chegará à usina Hidrelétrica de Três Marias (MG), onde o Rio Paraopeba encontra o Velho Chico. Em cerca de 24 horas, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), ligado ao Ministério de Minas e Energia, informou que a onda chegaria a Três Marias entre 15 e 20 de fevereiro. Mas depois emitiu novo boletim dizendo que a lama de rejeitos não atingiria a foz do Paraopeba.

Segundo o deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG), autor do projeto que deu origem à Lei n° 12.334/2010 (institui a Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB), sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o rio Paraopeba “ficou completamente morto”. Mais do que isso, o rio é afluente do São Francisco, além de ser parte de um complexo de rios que alimenta a produção de alimentos hortifrutigranjeiros e fornece água a cidades da região da grande Belo Horizonte.

Segundo o Relatório de Segurança de Barragens de 2017, há hoje no país 31 órgãos “efetivamente fiscalizadores de segurança de barragens”, apesar de ao todo existirem 43 órgãos “potencialmente fiscalizadores”, em âmbito federal e estadual. Nos cadastros dessas entidades, há 24.092 barragens para diversas utilizações, com destaque para irrigação, fornecimento de água a animais e aquicultura, a maioria das quais não se enquadrariam na PNSB por serem de pequenas dimensões.

O problema é que, de acordo com o relatório, “há muito trabalho a se realizar pelos órgãos fiscalizadores nos processos de regularização e definição se as barragens se submetem ou não à PNSB” (ou seja, à Lei 12.334). “Não há nenhum ato de autorização, outorga ou licenciamento em 42% das barragens, e em 76% dos casos não está definido se a barragem é ou não submetida à PNSB por falta de informação”, diz o documento.

Uma ação coletiva contra a Vale foi aberta na Corte de Nova York, pelo escritório de advocacia Rosen Law Firm. A ação tem o objetivo de “recuperar os danos para os investidores da Vale segundo as leis federais de valores mobiliários”.

“Em Minas, temos mais de 400 barragens, a maioria delas com problemas sérios. A Vale mesmo tem uma barragem em Itabira (a famosa cidade onde nasceu o poeta Carlos Drummond de Andrade) com ameaça de romper a qualquer momento”, diz Monteiro à RBA

Confira a seguir a entrevista do deputado:

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Deputado: leigo que for ao local da barragem vê a forma como foi construída; insegura e sem estrutura de concreto

A que o senhor atribui a tragédia de Brumadinho?

Falta de segurança da empresa. Qualquer leigo que for ao local da barragem vê a forma como foi construída. Insegura e sem estrutura de concreto, só com terra sobre terra, fazendo um talude (rampa)  e, pior ainda, fizeram um restaurante no centro administrativo da empresa, com os trabalhadores ali na boca da barragem. Quando ela rompeu, além de configurar um crime ambiental importante, matou uma quantidade enorme de trabalhadores, e da própria empresa, médicos, engenheiros, técnicos, peões, trabalhadores de empreiteira.

É uma irresponsabilidade muito grande da empresa e também dos órgãos fiscalizadores, sejam municipais, estadual ou federal. Normalmente essas empresas têm um apelo muito grande, porque geram empregos e impostos, então há uma concepção de que têm que funcionar de qualquer jeito, com desrespeito inclusive à vida das pessoas.

Começaram a fazer uma rampa de terra, depois ela foi aumentando. É completamente irregular, sabia-se que podia romper, tanto que poucos meses atrás uns funcionários que trabalham na segurança da Vale estiveram visitando a região dos plantadores de horta e região de pousadas que foram atingidos, pedindo para o pessoal sair da área.

Como vê a reação do governo? Segundo o ministro Onyx Lorenzoni, não vai haver qualquer grau de intervenção do governo na Vale…

A Vale é uma empresa privada, mas o governo tem a responsabilidade de fiscalização. Por exemplo, em nível federal, o Ibama, e no âmbito estadual a Superintendência do Meio Ambiente. E até no nível municipal. Como um prefeito concede licença para construir um prédio num local completamente irregular?

Os órgãos municipais, estadual e federal têm a responsabilidade de fazer cumprir a lei. Se a lei estivesse sendo cumprida, não aconteceria esse crime, nem o de Mariana. A lei que institui a Política Nacional de Segurança de Barragens prevê inclusive a necessidade de ter um projeto de engenharia para construir a barragem e depois a manutenção e a operação. Essas empresas abusam da comunidade.

Em Minas temos mais de 400 barragens, a maioria delas com problemas sérios. A Vale mesmo tem uma barragem em Itabira com ameaça de romper a qualquer momento. 

Em Congonhas, outra cidade aqui perto de Belo Horizonte, temos barragens ameaçadas de romper a qualquer momento, como em Paracatu e várias cidades de Minas. Tem que ser constituída uma comissão externa na Câmara dos Deputados para a gente acompanhar com técnicos, visitar todas essas barragens e exigir providências, e o governo tem a tarefa de exigir da empresa a remoção das famílias que estão abaixo das barragens, recuperar a estrutura ou esvaziar algumas delas.

Noticiou-se hoje que cinco pessoas da Vale ou contratadas por ela foram presas

Isso pode ser exemplar. Tem que ter prisão dos responsáveis e também punir financeiramente a Vale para ressarcir as pessoas, que perderam vidas e parentes. Em Brumadinho, todo mundo tem um sobrinho, um primo, um filho, um ex-colega de escola que está ali.

É uma situação de funeral que vive a cidade de Brumadinho, a região e nosso estado de Minas Gerais. Os responsáveis por esse crime absurdo têm que ser punidos. E o governo – estadual ou federal – tem que botar seus órgãos para funcionar, pelo menos agora. Não é escamotear e dizer que não são responsáveis.

Somos todos responsáveis, o Poder Legislativo, o Executivo, por meio de seus órgãos fiscalizadores, o Judiciário, os promotores. Ninguém foi punido por Mariana. As vítimas não foram ressarcidas até hoje, nenhuma.

A Samarco, que tem a Vale como acionista, não pagou a multa até hoje…

É da Vale também, a Samarco é uma forma de escamotear, tirar o nome da Vale da frente. A responsável é a Vale. Em Minas Gerais a gente costuma dizer que ela se chama Vale do Rio Doce porque toda a região do Rio Doce foi completamente destruída por essa empresa, região que é responsável pela riqueza da Vale. Foi daqui que ela se tornou uma das maiores empresas do mundo, extraindo os minérios e a riqueza da região do Vale do Rio Doce.

A privatização (pelo governo FHC) foi desastrosa, porque a empresa foi vendida pelo preço simbólico.

Qual sua expectativa?

Acho que nesse momento temos que ser solidários à população de Brumadinho. Mas, como deputado, membro da Comissão do Meio Ambiente, já requeri ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a constituição de uma comissão externa, para acompanhar os desdobramentos, exigir a punição dos culpados e ressarcimento das vítimas, seja quem trabalhava Vale, familiares, seja a região toda, que é um complexo que produz alimento para Belo Horizonte e para a grande BH.

Uns foram atingidos diretamente pela lama, outros pelo rio Paraopeba que ficou completamente morto. Essa lama de minério matou todos os animais, seres vivos que se alimentavam no rio. É um complexo de rios que são responsáveis pela água das cidades da região da grande BH, Betim, Contagem, Belo Horizonte… O Paraopeba alimenta toda a produção de alimentos hortifrutigranjeiros e é um afluente do São Francisco. Esses rejeitos minerais decorrentes do rompimento da barragem vão atingir inclusive o São Francisco. 

O Paraopeba é afluente do São Francisco, portanto esse crime vai atingir o São Francisco em direção ao Nordeste. O primeiro estado depois de Minas é a Bahia…

A situação é muito dramática…

A situação é difícil. Você olhar aquela lama e saber que ali debaixo tem quase 200 corpos, e não se sabe se na maioria as pessoas vão conseguir nem enterrar o seu ente querido. A região está em choque e precisa de atitudes duras, severas. Porque depois de pouco mais de três anos, acontece de novo. Mariana foi de uma dimensão ambiental muito maior, mas esse, além da dimensão ambiental importante, econômica, para a região, é um crime de dimensões humanas muito maior do que de Mariana.