Desvio de função

Agenda do ministro do Meio Ambiente não tem espaço para ambientalistas

Prestes a completar um mês à frente da pasta, Ricardo Salles encontrou-se apenas com empresários e políticos ligados a interesses do agronegócio, da mineração, setor imobiliário, combustíveis e bancos

Marcelo Camargo/ABr

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Primeiros dias na pasta usados para passar mensagens de ‘tranquilidade’ ao mercado

São Paulo – Perto de completar um mês à frente do Ministério do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o ministro Ricardo Salles ainda não recebeu ambientalistas, cientistas ou profissionais com atuação na área ambiental. Tampouco organizações, universidades e institutos voltados ao setor. Em compensação, dedicou sua agenda oficial a empresários e representantes de diversos setores produtivos.

Empossado em 1º de janeiro, Salles teve seu primeiro compromisso no dia 10, quando participou do aniversário do Parque Nacional do Iguaçu e se reuniu com o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), apoiador de Bolsonaro.

No dia 14, esteve na capital paulista em um evento no Secovi SP, o maior sindicato do setor imobiliário da América Latina, que representa os condomínios e a indústria imobiliária. Aos empresários do setor, disse que pretende fazer no ministério o que fez quando secretário estadual da área em São Paulo: instituir a autodeclaração. Ou seja, quando o empreendedor se diz em conformidade com a lei, sujeitando-se a posterior fiscalização. Além disso, informatizar toda a pasta, para “colocar o ministério todo no meio digital”, para “fortalecer a transparência” e agilizar diversos processos de licenciamento.

© Secovi-SP
Salles fala a representantes do mercado imobiliário, em evento promovido pelo Secovi-SP

Salles voltou a se encontrar com representantes da entidade em seu gabinete no último dia 22.

O empresário, agropecuarista e deputado federal Pedro Lupion (DEM-PR) foi recebido no dia 16, quando o ministro recebeu também o deputado suplente Professor Victório Galli, ligado aos ruralistas, e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) – mesmo partido pelo qual Salles concorreu a uma vaga na Câmara nas últimas eleições. São da família do governador mineiro lojas de departamentos, portais de comércio virtual, concessionárias de veículos e distribuidora de auto-peças.

Petróleo e banco

No dia 17, foi a vez dos presidentes da Shell, André Araújo, e do Santander, Sérgio Rial, serem recebidos por Salles. Maior produtora privada de petróleo no Brasil e uma das maiores “parceiras” da Petrobras na exploração do pré-sal, a companhia anglo-holandesa planeja prospectar (explorar o ambiente em busca de petróleo) em águas profundas.

Segundo a Shell, o objetivo é “conhecer o ecossistema para reduzir o impacto ambiental” da exploração do petróleo, já que participa da exploração de grandes reservatórios do pré-sal.

O banco espanhol Santander, por sua vez, tem interesse na Amazônia. Afirmando defender a preservação da maior floresta do mundo, Rial pretende obter do governo Bolsonaro apoio para a criação de um fundo de investimento para a  proteção da floresta, a ser financiado por qualquer brasileiro.

Para justificar, o banco anuncia que o projeto prevê “contrapartidas”, como  formação de um centro de excelência de pesquisa e educação na Amazônia, planejamento para expandir concessões florestais e modelos agroflorestais que permitam o cultivo de lavouras sustentáveis e outros. 

Salles voltou a ter agenda no dia 22, quando recebeu diretor da Petrobras.

No dia seguinte, abriu seu gabinete para representantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), para discutir entre outras coisas estratégias políticas para votação do Pacote do Veneno e a descaracterização do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).  

Também ligado ao agronegócio, o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) teve encontro com Salles na mesma tarde. Jardim foi secretário estadual de Agricultura em São Paulo na mesma época em que o atual ministro ocupou a secretaria de Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin (PSDB)

Vale

Chama atenção o encontro de Salles com Luiz Eduardo Osório, diretor-executivo de sustentabilidade e relações institucionais da Vale dois dias antes da tragédia de Brumadinho, com dezenas de mortos confirmados e algumas entenas de desaparecidos.

Osório, que já passou pela Ambev, Shell e Raízen, atualmente preside o Conselho Diretor do  Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM).

Para o Ministério Público do Trabalho (MPT), o maior acidente de trabalho da história do Brasil, com a maioria das vítimas mortas nas dependências da própria empresa, demonstra a precariedade das condições a que estão expostos os trabalhadores no Brasil.

As causas da tragédia, ainda segundo o MPT, são as mesmas que levaram ao rompimento da barragem de Mariana, em 2015: as deficiências nas medidas de prevenção. Depois do crime de Mariana, a instituição apontou providências que não foram seguidas. Entre elas, verificar a estabilidade da mina, condições de higiene e segurança do trabalho e realização de estudos e projetos exigidos pelos órgãos fiscalizadores e pagamento de dano moral coletivo pelos prejuízos. 

No dia 24, véspera do crime da Vale em Brumadinho, Salles recebeu representante da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Entre os associados da entidade estão gigantes do agronegócio, como BungeCargill.

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