Na moita

Polêmica, nova lei de licenciamento ambiental pode ser votada sem debate

Entre as mudanças pretendidas pelos ruralistas estão a flexibilização das exigências ao repassar para estados e municípios a definição sobre o grau de rigor da licença ambiental

Wilson Dias/Agência Brasil

Segundo ambientalistas, novas regras de licenciamento ambiental deixarão o meio ambiente mais vulnerável

São Paulo – Uma carta aberta assinada por 46 organizações da sociedade civil demonstra preocupação com a tramitação do Projeto de Lei (PL) 3.729/2004. No documento, as entidades criticam o anúncio feito, em meados de março, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o polêmico texto substitutivo ao projeto que muda as regras de licenciamento ambiental no Brasil já teria sido fruto de acordo entre ambientalistas e ruralistas e, portanto, poderia ser votado. “Não reconhecemos acordo nenhum!”, dizem os signatários da carta.

“O propagado (e fictício) acordo apenas presta-se a criar um falso ambiente de entendimentos, que resultará no desmonte da política de licenciamento brasileiro pelo Congresso, exatamente no momento em que o país assiste perplexo ao vazamento tóxico de rejeitos da empresa Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará. Caso aprovada a proposta na forma como se encontra, esta e outras tragédias, como o rompimento da barragem em Mariana, em Minas, ficariam mais propensas a ocorrer, atingindo de forma ainda mais brutal as populações locais”, afirma o documento assinado pela Conectas, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc),  Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace Brasil, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), MST, Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), entre outras organizações.

Segundo os ambientalistas, as novas regras de licenciamento ambiental propostas, se aprovadas, deixarão o meio ambiente do país vulnerável. Entre as mudanças defendidas pelo agronegócio e a bancada ruralista no Congresso, estão a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, independentemente de seu impacto; a criação da figura do “licenciamento autodeclaratório”; e a flexibilização das exigências ao repassar para estados e municípios a definição sobre o grau de rigor da licença ambiental – medida que, para os críticos do projeto, na prática pode significar rigor nenhum caso assim queiram prefeitos e governadores. O PL 3.729/2004 ainda retira a obrigatoriedade de consultar as populações potencialmente atingidas, como povos indígenas e comunidades locais.

Além das mudanças propostas, as organizações também criticam a falta de debate em torno de um tema considerado complexo e relevante, e acusam o deputado Mauro Pereira (MDB-RS), relator do substitutivo ao projeto, de se negar a promover debates públicos que permitam a melhoria do texto.

“A falta de diálogo ignora pedidos expressos de diversos setores, como Ministério Público Federal, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, organizações da sociedade civil, associações de servidores de órgãos ambientais e associações de municípios. Consideramos inaceitável que, após tantos apelos, o importante projeto de lei em questão, que versa sobre o patrimônio de toda a sociedade brasileira, seja votado no plenário da Câmara dos Deputados sem a realização de quaisquer debates públicos”, afirma a carta aberta.

Sem conversa

Signatária do documento assinado por 46 organizações, a ONG Artigo 19 enviou na última quinta-feira (19) uma nova carta para Rodrigo Maia (DEM-RJ) cobrando a realização de audiências públicas para discutir as mudanças no licenciamento ambiental. Neste outro documento, a organização afirma que a falta de espaços para debater o projeto “é inaceitável diante da complexidade da proposta e do fato de se tratar de pauta sensível à sociedade brasileira, na medida em que implica inúmeros impactos em diversas áreas de interesse público”.

A entidade enfatiza que o PL 3.729/2004 “prevê níveis insuficientes de abertura à participação pública nos procedimentos que estabelece” e “trata com desequilíbrio a participação dos diferentes atores no processo decisório, valorizando o papel de empreendedores em detrimento da participação das populações afetadas”. Por fim, a ONG solicita que o presidente da Câmara dos Deputados suspenda o andamento do projeto de lei até que sejam realizadas as audiências públicas.

“É importante destacar que as alterações na legislação ambiental em diversas frentes brasileiras se inserem em um contexto já bastante defasado no que diz respeito à falta de participação social e transparência em projetos de impacto socioambiental. E isso está diretamente relacionado com as graves violações que marcam o campo, como os assassinatos de trabalhadores rurais e indígenas, a remoção de comunidades, a destruição da flora, os danos ao modo de vida de populações tradicionais”, afirma o documento.