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Senado tenta abrir caminho para a cana na Amazônia

Indústria teme que sua imagem fora do país seja manchada, mas mandato do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor da proposta, afirma que 'quem critica o projeto não quer competição'

IACe/CC

Em vez de recuperar, senador tucano quer usar áreas degradadas da Amazônia, resultado da exploração pecuária da floresta e liberar plantio de cana

DW Brasil – Anos depois de ser banida da agenda da indústria, a proposta de expandir o cultivo de cana-de-açúcar para a Amazônia voltou com força em Brasília. Um projeto de lei de 2011 que autoriza o plantio em áreas degradas da Amazônia Legal está agora prestes a ser votado no Senado. A matéria entrou na pauta do plenário nesta terça-feira (27), mas sua votação foi adiada. De acordo com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, o adiamento se deu em razão do baixo quórum na sessão. 

O retorno do tema à pauta do Congresso é criticado pelos próprios produtores de cana, considerando que, dois anos antes da elaboração do projeto, um decreto já havia excluído do mapa de expansão do setor biomas sensíveis, como Amazônia e Pantanal. As regras foram organizadas no Zoneamento Agroecológico, que determina as áreas onde a cana-de-açúcar pode ser cultivada.

“Ao propor uma alteração nas diretrizes do zoneamento, o projeto de lei 626/2011 poderá provocar uma forte pressão por desmatamento no bioma amazônico”, criticou a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) em nota divulgada pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

De olho na produção de biocombustíveis e açúcar, a indústria não está disposta a manchar sua imagem fora do país.

“Os biocombustíveis e o açúcar brasileiros não são associados a esse desmatamento. O PLS 626/2011 pode manchar essa reputação e colocar em risco os mercados já conquistados e o valor dos produtos brasileiros”, diz a nota.

Para a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o país tem mais a perder do que ganhar se a proposta for aprovada.

“O projeto terá um impacto negativo na projeção da imagem de sustentabilidade do agronegócio brasileiro em um momento em que há um esforço concentrado de atores públicos e privados para melhorar a percepção externa sobre o Brasil”, afirmou à DW Brasil Roberto Jaguaribe, presidente da Apex-Brasil. “Há diversas regiões do país muito mais propícias a esse cultivo e que não requerem rompimento de acordos assumidos.”

O autor do projeto, senador Flexa Ribeiro, foi eleito pelo Pará, estado com segunda maior área de Floresta Amazônica. Segundo o seu assessor técnico, Yoran Zalmon, “quem critica o projeto não quer competição”. Eles não querem produtores em outras áreas”, disse em em referência ao posicionamento da Unica.

Ribeiro defende o plantio de cana na Amazônia argumentando que o projeto “não derruba nenhuma árvore”, pois diz respeito a áreas “antropizadas”, ou seja, já alteradas pelo homem.

A previsão era que o projeto fosse votado no plenário do Senado na última quarta-feira, justamente quando se comemorou o Dia Internacional das Florestas, mas a decisão foi adiada. O texto chegou a ser colocado em votação, mas não houve quórum para deliberar, devido à obstrução de partidos como PT, PSB e Rede. Se aprovado na Casa, o texto segue para a Câmara dos Deputados.

Interesses em jogo

O Brasil é líder global quando o assunto é cana-de-açúcar: 20% da produção mundial e 40% das exportações do produto são de responsabilidade brasileira, segundo dados da Unica. As plantações estão espalhadas por 10 milhões de hectares – área maior que o território de Portugal.

Propícia para clima tropical, a planta não se desenvolve bem em todo o território brasileiro. “O bioma da Amazônia não é adequado para o desenvolvimento da cultura de cana-de-açúcar por causa do solo e o do clima muito úmido. Tornar o cultivo produtivo seria muito caro, com muito gasto de insumos e fertilizantes”, afirma o climatologista Carlos Nobre.

Os interesses que movem a aprovação do projeto também são um mistério para o Observatório do Clima, que reúne mais de 30 ONGs. “Soa muito estranho, porque o próprio setor sucroenergético se pronunciou contra. Eles fazem um esforço grande para diferenciar o etanol brasileiro dos outros”, comenta Carlos Rittl, diretor-executivo da entidade.

No mercado internacional, a indústria brasileira tenta mostrar que o etanol nacional não causa destruição de florestas tropicais – um problema conhecido em países que plantam palma para produzir biocombustível.

Uma carta assinada por cinco ex-ministros condenou a iniciativa no Senado. “É dar um tiro no pé da política de biocombustível do Brasil”, opinou Izabella Teixeira, que ocupou a pasta do Meio Ambiente de 2010 a 2016. “Mais do que um atraso, é uma vergonha”, afirmou.

Nobre, que já atuou no ministério de Ciência e Tecnologia e também assina a carta, aponta uma visão equivocada de desenvolvimento. “A maioria dos políticos locais defende políticas de desmatamento – por mais que sejam pessoas da própria Amazônia. Eles não enxergam valor econômico na floresta, só enxergam a exploração de minérios, de energia, da substituição da floresta.”

Questionado sobre a motivação para o projeto apesar das críticas, Zalmon disse que a cana-de-açúcar é uma alternativa econômica interessante. “O plantio seria em áreas degradadas, há muitas áreas no leste do Pará. Pode ser uma fonte de renda boa para a região”, afirmou.

Riscos à vista

Embora o projeto fale em plantio de cana apenas em áreas degradadas, Rittl diz que a trajetória do Brasil mostra que isso não funciona.

“Na história de ocupação da Amazônia, não existe nada que tenha se restringido aos limites definidos pela lei. A partir do momento em que se abriu a Amazônia para o plantio de soja, criação de gado, exploração madeireira, o que se viu foi um caos”, comenta.

Acredita-se que, se o projeto for aprovado, a plantação de de cana-de-açúcar empurrará a pecuária para a área de floresta, o que leva ao desmatamento e à grilagem de terra, aponta Rittl.

Os mesmos argumentos foram expostos pelos pesquisadores Lucas Ferrante e Philipp Fearnside em carta publicada na revista Science, que fala em “efeitos com potencial catastrófico para a Floresta Amazônica, para a biodiversidade, para os serviços ecossistêmicos da América do Sul e para a produtividade agrícola do Brasil”.

Numa concordância pouco corriqueira, ambientalistas e indústria pedem que os senadores considerem os riscos e votem pela rejeição da proposta.

“O setor sucroenergético tem um importante papel para o cumprimento da meta climática brasileira e tem condições de aumentar sua participação na matriz energética nacional para 18% sem avançar sobre a Amazônia”, declarou a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Com informações da Agência Senado