Planeta em alerta

Países ignoram ONU e não reconhecem água como direito humano

Para ONG italiana, capital financeiro internacional usurpa soberania dos governos e avança sobre o domínio dos recursos hídricos. Saída é a criação de aliança dos movimentos sociais de todo o mundo

Facebook/Comitato Provinciale Acqua Bene Comune

Governos ignoram intensa pressão da população contra a privatização da água na Itália e outros países europeus. Em 2011, em referendo, 25 milhões de italianos disseram não ao controle privado

Brasília – Apesar da decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que em 2010 reconheceu o acesso à água de qualidade como direito humano após um longo debate que durou 15 anos, nenhum país do mundo segue tal reconhecimento. “Esse direito não teve real concretização em nenhum Estado do mundo”, disse o diretor do Comité Italiano para o Contrato Mundial da Água, Marco Iob, em seminário realizado hoje (18), pela Cáritas Brasileira, no âmbito do Fórum Alternativo Mundial da Água – Fama 2018, em Brasília.

O evento, que segue até o dia 22, é um contraponto ao 8º Fórum Mundial da Água (World Water 8), realizado por governos e empresas. O chamado fórum oficial começa oficialmente nesta segunda-feira, em Brasília, mas sua agenda prevê encontros entre empresários e o governo de Michel Temer.

Mercadoria

De acordo com o ativista italiano, a Comissão Europeia, que governa a União Europeia, considera a água como mercadoria. E o acesso humano é considerado necessidade e não direito. “E sendo necessidade, tem custo, com preço a ser pago pelo usuário”, disse Iob, destacando que apenas a Eslovênia tem esse direito em lei, apesar de não cumprir.

Conforme lembrou, a água foi privatizada na Europa a partir de 2008, com a crise econômica internacional. “Como sempre, quem paga a conta da crise são os pobres. No entanto, a privatização encontra uma forma de resistência baseada na mobilização da população contra a privatização”.

Em 2011 foi feito um referendo na Itália, quando 25 milhões de italianos votaram contra o controle da água por empresas privadas. Mas os governos ignoraram o clamor popular pela chamada remunicipalização – assim como a Comissão Europeia ignora os abaixo-assinados de cidadãos de todos os países europeus. “São lutas importantes, mas nenhuma conseguiu garantir, na prática, a água como direito.”

Para Marco Iob, no entanto, a existência de leis nacionais não garantem a efetivação dos direitos. “Os Estados não têm mais soberania, e sim os acordos e tratados comerciais, conduzidos por empresas ligadas ao mercado financeiro. Por isso, uma estratégia importante é internacionalizar a luta. Precisamos de uma estratégia internacional, defendeu.

Conforme destacou, os desafios e ameaças impostos pelo setor privado no controle da água são os mesmos: contaminação das águas com agrotóxicos, metais pesados e rejeitos de mineração, a dificuldade do acesso à água para a maioria da população e a insistência dos países em facilitar o descumprimento de resoluções e acordos sobre a água.

“Precisamos desse instrumento internacional. Sabemos que uma agenda internacional é difícil, mas temos de ter sonhos. É um desafio, mas ao mesmo tempo uma perspectiva”, defendeu Iob.