Avanço da privatização

Coca-Cola quer acelerar agenda de ‘soluções para a segurança hídrica’

A companhia aproveitou o 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília, para anunciar ações envolvendo governos. Empresa pretende comercializar recurso para atividades produtivas e consumo doméstico

Facebook/Água Pura Saúde

Principal insumo das bebidas da marca, a água é também um produto, comercializado por meio da marca Crystal. Para cada litro de refrigerante, refrescos e chás produzido, a companhia gasta 1,78 por litro de água

Brasília – Patrocinadora do 8º Fórum Mundial da Água, que começou oficialmente nesta segunda-feira (19), em Brasília, a Coca-Cola anunciou a abertura de fontes de água mineral em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais e Alagoas. De acordo com a companhia, as comunidades vizinhas às fontes terão acesso à captação de água gratuitamente.

O presidente da subsidiária brasileira da multinacional, Henrique Braun, disse que “pretende aproveitar o evento para promover a troca de aprendizados e o encaminhamento de ações concretas e conjuntas, envolvendo governos, sociedade civil e iniciativa privada, para acelerar uma agenda de soluções para garantir a segurança hídrica”.

A empresa pretende comercializar água para atividades produtivas e consumo doméstico. Conforme o dirigente, a companhia contribui com a reposição e sustentabilidade de bacias hidrográficas em mais de 100 mil hectares no Brasil, o equivalente a mais de 100 mil campos de futebol. E, desde 2015, repõe ao meio ambiente o dobro do volume de água utilizado em nossos processos produtivos.

Braun disse ainda que a ação está alinhada com o tema do Fórum – “Compartilhando Água” – e reforçou o “compromisso da empresa em garantir o uso consciente da água e estreitar o relacionamento com as comunidades onde atua”. Ele anunciou investimento de R$ 25 milhões para ampliação de um programa que deve beneficiar, segundo a projeção, 50 mil pessoas em 100 comunidades de oito estados, até o fim do ano. 

Com o anúncio, a companhia confirmou o evento como espaço de negócios para o mercado da água, o que vem sendo combatido pelos movimentos sociais que realizam o Fórum Alternativo Mundial da Água desde o dia 17, também em Brasília.  

A água é o principal insumo de todos os produtos do Sistema Coca-Cola Brasil e também produto, comercializado por meio da marca Crystal. Para cada litro de bebida que industrializa, a companhia gasta 1,78 por litro de bebida produzida.

A Coca-Cola Brasil é o maior produtor de bebidas não alcoólicas do país e atua em nove segmentos – água, café, chás, refrigerantes, néctares, sucos, lácteos, bebidas esportivas e bebidas vegetais –, somando mais de 152 produtos.

Sem surpresas

Integrante do Movimento dos Atingidos por Barragem e coordenador do Fama 2018, Gilberto Cervinski diz que o anúncio da abertura das fontes pela companhia confirma o caráter mercantilista do fórum oficial. E que o encontro de empresários com setores do governo constitui espaço de pagamento de contas com essas empresas “pelo apoio ao golpe” que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff.

“Nós temos alertado o povo para não cair nessa conversa de água de graça, que a empresa afirma que distribuirá para a população do entorno das fontes. Isso é para dar um verniz de compromisso social e ao mesmo tempo impedir uma revolta popular, já que se sabe que com o tempo não terão mais água sem pagar. O povo precisa reagir”, defende.  

Cervinski lembra que a agenda do encontro oficial obedece diretrizes de um documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que determina a criação, em todo o mundo, do chamado mercado da água. “Esse mercado atende aos interesses do mercado financeiro, sócio dessas empresas.”

O dirigente destaca ainda que a ofensiva da multinacional não é isolada, mas parte de uma frente ampla, que pretende controlar as reservas de água doce concentradas no Brasil, especialmente as subterrâneas.

“Os aquíferos, como o Guarani e o Alter do Chão, têm água de melhor qualidade, fontes mais valiosas e propícias para o processo industrial. E além do risco de impacto ambiental, com baixa na capacidade dessas reservas, está a perda da soberania nacional sobre a água doce”, diz.