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Secretário de Alckmin promete, mas não entrega mapas da Várzea do Tietê

Ricardo Salles convocou imprensa para se defender das acusações de ter alterado mapas em benefício da Fiesp e anunciou que jornalistas receberiam cópias. Horas depois, mudou de ideia e não explicou

Fernanda Lemes de Santana

Secretário do Meio Ambiente é acusado pelo MP de ter fraudado plano de manejo de área de proteção

São Paulo – Acusado de ter alterado mapas do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê, com modificações no zoneamento que abrem caminho à exploração industrial e mineral da área, o secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Salles, convocou entrevista coletiva na última terça-feira (14) para dar suas explicações. Durante cerca de 30 minutos, o secretário foi firme em seus argumentos. “Todas as seis alterações no mapa têm toda fundamentação e respaldo”, afirmou.

Apresentando aos jornalistas os mapas, comparando o antes com o depois das mudanças realizadas por sua pasta, Ricardo Salles deu respostas técnicas para cada modificação, sempre amparando suas justificativas nas imagens que iam sendo exibidas. “Essa é a alteração que foi feita e, como vocês podem ver, não tem nada de malicioso, ao contrário do que foi comentado de forma indevida na coletiva de imprensa do Ministério Público”, disse, referindo-se a recente entrevista dada pelo Ministério Público (MP) para anunciar as irregularidades identificadas e informar que iria investigar a conduta do secretário.

Demonstrando confiança em suas respostas, Ricardo Salles chegou a informar que, ao final da coletiva, os jornalistas receberiam cópias dos mapas apresentados. “Aqui é possível, se os senhores quiserem depois pegar uma cópia, comparar o mapa atual com o mapa proposto pela Universidade de São Paulo (USP). Não houve nenhum expediente para esconder as mudanças. Os mapas têm critérios técnicos e eles foram todos obedecidos e estão aqui para quem quiser consultar.”

Nas seis horas seguintes ao término da entrevista, a reportagem da Rede Brasil Atual manteve contato com a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA) solicitando os mapas que Salles disse estarem à disposição, até que finalmente chegou a resposta: “Os mapas serão disponibilizados depois de que o processo for protocolado no MP”.

Para o deputado estadual Alencar Santana (PT), a mudança de postura da SMA, negando a entrega dos mapas que o próprio secretário anunciou que seriam dados, não é um bom sinal. “Isso demonstra a não transparência, alguém que quer agir de maneira obscura. Alterou de forma sigilosa achando que ninguém ia perceber e agora diz que tem razão, mas não mostra de fato que as mudanças não foram danosas. Disse que as mudanças seriam somente correções, mas não é verdade, pois alterou por pressão ou conluio político com o setor empresarial de São Paulo, no caso, a Fiesp”.

Durante a entrevista, Ricardo Salles ainda anunciou que irá questionar a conduta do promotor que o acusa na Corregedoria do Ministério Público e no Conselho Nacional do Ministério Público. Segundo o secretário, a investigação do MP é “descabida” e ele está sendo investigado “de forma indevida”. O secretário também afirmou que abrirá uma sindicância interna para apurar se houve pressão do MP para “induzir” o depoimento de três funcionários da Fundação Florestal (órgão subordinado à Secretaria de Meio Ambiente) que o acusaram de ter participado das alterações indevidas.

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De acordo com o Ministério Público, as adulterações dos mapas prejudicam a área de proteção ambiental e permitem a exploração industrial e mineral na região. Por outro lado, Ricardo Salles se defende dizendo que já existem 56 pontos de atividades de mineração na APA do Tietê e as mudanças feitas estariam apenas corrigindo equívocos existentes nos mapas até então.

A desconfiança surge em função das mudanças terem sido solicitadas de forma não transparente pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que tem assento no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), assim como o MP. O conselho é presidido pelo secretário. Segundo Ricardo Salles, foram 33 pedidos de mudanças feitos pela Fiesp e 17 solicitados pelas secretarias de saneamento e mineração. Ao todo, dos 50 pedidos de alterações, seis foram acolhidos.

“O fato não é o e-mail (da Fiesp sugerindo a mudança), isso qualquer setor pode fazer, não há problema, o crime não está nisso. O crime está nele ter feito as mudanças, atendendo pedidos sem tornar isso público, de forma sorrateira, atendendo outros interesses. Não foi uma coisa pública. O problema não é o contato de um setor representativo que tem a prerrogativa de defender seus interesses, o problema foi a forma e como o secretário atendeu isso. É o que gera suspeitas e demonstra que o que foi feito é aparentemente ilegal”, pondera o deputado Alencar Santana.    

“O dano que isso pode causar não é só imediato, em relação ao crime praticado de fraudar um documento público, mas também é um dano futuro, relativo ao que pode causar ao meio ambiente depois que uma indústria conseguir determinada licença, construir sua planta e começar suas atividades. O prejuízo é imenso, não tem retorno, é até difícil de mensurar.”

Para Alencar Santana, o governador Geraldo Alckmin corre o risco de se tornar coautor de crimes se decidir assinar o decreto com as polêmicas mudanças realizadas pelo secretário Ricardo Salles. “Se o governador fizer isso, ele estará de fato chancelando as irregularidades praticadas pelo secretário, estará sendo coautor de crimes de fraude e ambientais. No mínimo o governador deveria não assinar. Se comprovar, no futuro, que a versão do secretário é correta e as mudanças não causam dano, o governador terá a oportunidade de fazer essas alterações”, finalizou.

 

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