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Avanço da fronteira agrícola e crise política acentuaram conflitos no campo em 2015

O Norte e o Centro Oeste são os principais eixos de violência no campo devido à não regularização fundiária em áreas que deveriam ser para reforma agrária, mas que acabam com grileiros

João Rippe

Total de famílias despejadas no campo cresceu 14% entre 2014 e 2015

São Paulo – O avanço das fronteiras agrícolas, sobretudo na Amazônia legal, e a crise política, que impede o governo de atuar ativamente, acentuou os conflitos no campo entre 2014 e 2015, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O número de assassinatos nas áreas rurais (50) foi o maior registrado nos últimos 12 anos, ao mesmo tempo em que o total de famílias despejadas e as disputas por fontes de água também aumentaram.

As regiões Norte e Centro Oeste se consolidaram como os principais eixos de violência no campo, com números crescentes, concentrando mais da metade de todos as ocorrências registradas no país – 510 das 998 totais.

“O acentuado crescimento dos conflitos e da violência nas regiões Norte e Centro-Oeste é o reflexo claro do avanço do capitalismo sobre as novas fronteiras agrícolas do país, a Amazônia e o Cerrado”, avalia a equipe técnica da Pastoral da Terra. “O chamado ‘crescimento’ econômico, desde os tempos do Brasil Colônia, se fez e se faz à custa dos direitos territoriais dos povos indígenas e, hoje, das comunidades camponesas existentes, que acabam tachadas de empecilhos para o progresso.”

No Centro-Oeste o número de conflitos no campo passou de 123 para 166 entre 2014 e 2015, com mais que o dobro de pessoas envolvidas, passando de 77.982 para 147.015, um aumento de 89%. No Norte, o total de conflitos passou de 379 para 406, com envolvimento de 246.878 pessoas, ante 227.542.

“O crescimento dos conflitos nestas regiões também pode ser creditado ao encurralamento em que se encontra o governo por uma avalanche de insinuações, acusações, denúncias, o que o deixa sem ação, refém de conchavos e ameaças”, avalia a Pastoral da Terra em nota. “Aproveitando-se deste vazio o poder privado do capital atua e age livremente, ditando suas próprias regras, ao mesmo tempo em que a bancada ruralista, secundada por outras bancadas de perfil mais que conservador, avançam sobre o direito dos mais frágeis.”

O Maranhão, em especial, apresentou o maior número de conflitos por terra no último ano (135), um total menor que em 2014 (142). Registraram mais de 100 conflitos a Bahia (128), Minas Gerais (126) e Pará (124). Em termos percentuais, o Piauí registrou o maior crescimento: 138%, passando de 13 conflitos em 2014 para 31 em 2015.

Na média geral, o total de conflitos no campo foi de 1.217, inferior ao registrado em 2014 (1.286). O número de pessoas envolvidas, porém, permaneceu praticamente inalterado: 817.102 em 2014, e 816.837 em 2015. São, ao todo, 998 conflitos por terra, ante 1.018 em 2014; e 84 conflitos trabalhistas, com 1.862 trabalhadores na denúncia, contra 141 com 2.787 trabalhadores; e 135 conflitos por água, ante 127.

Assassinatos e despejos

O número de famílias camponesas despejadas judicialmente em ações de reintegração de posse cresceu 14% entre 2014 e 2015, passando de 12.188 para 13.903. Só no Centro-Oeste esse total aumentou 466%, de 117 para 6.320 famílias despejadas. Destacaram-se Goiás (4.130, contra 50 em 2014) e Mato Grosso (1.090, ante 129) e Mato Grosso do Sul (1.100, contra nenhuma em 2014).

Já em relação às famílias expulsas por fazendeiros, empresários e seus capangas, o número reduziu, passando de 963 para 795. Na região Centro-Oeste, novamente, a tendência foi em sentido inverso: esse número passou de zero em 2014 para 360 em 2015. A região Norte também apresentou crescimento no número de famílias expulsas, de 179 para 211. Na Bahia e no Maranhão, no Nordeste, houve crescimento com, respectivamente, 38 e 40 famílias expulsas. No ano anterior não havia nenhum registro nestes estados.

“Como se constatou em anos anteriores, o aumento de despejos, ao lado da diminuição das expulsões deixa patente que a propriedade privada legal ou mesmo ilegal encontra no Judiciário o respaldo necessário para se manter intocada. E uma ação de ocupação de terras ou retomada de território, por mais legítima que possa ser, sempre é vista como um ato criminoso a ser punido”, diz a Pastoral da Terra em nota.

Em 2015, o Brasil registrou também o maior número de assassinatos no campo dos últimos 12 anos: 50 mortes ocasionadas por conflitos agrários, 14 a mais do que em 2014. Quarenta dos 50 assassinatos ocorreram na região Norte, em especial em Rondônia (20) e Pará (19). Considerando a chamada Amazônia Legal, que inclui também o Maranhão e o Mato Grosso, o número chega a 47, com seis e um assassinato, respectivamente.

“Estes números deixam claro que a Amazônia continua sendo uma das novas fronteiras para o capital. O agronegócio, sobretudo com a expansão da soja e da pecuária para a região, aliado à mineração e à extração madeireira exigem do poder público a infraestrutura necessária para garantir seus vultosos lucros”, diz a nota. “Constroem-se hidrelétricas e seus linhões, portos e aeroportos, planejam-se hidrovias e se abrem e asfaltam estradas. Tudo leva à valorização das terras. Está pronto o caldo para o aumento e o acirramento dos conflitos e, sobretudo, para o crescimento da concentração da propriedade latifundiária.”

A Amazônia também concentra 30 das 59 tentativas de assassinato, 93 das 144 ameaças de morte e 66 dos 80 camponeses presos. Para a Pastoral da Terra, um dos fatores que explica a concentração da violência na Amazônia é a não regularização fundiária, sobretudo de áreas que deveriam ser destinadas à reforma agrária, mas que acabam nas mãos de grileiros, “pela omissão de funcionários públicos, sobretudo do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), quando não com sua participação direta.”

“Grande parte dos conflitos em 2015, tanto no Pará quanto em Rondônia, aconteceram em áreas cujos Contratos de Alienação de Terras Públicas, os CATPs, foram anulados por não cumprimento das cláusulas contratuais e que não foram devidamente executados, ou que já deviam ter sido anulados”, diz o texto.

Água

Enquanto o número geral de conflitos por terra diminuiu em 2015, os conflitos relacionados a fontes de água cresceram 6%, passando de 127 para 135. Esse é o maior número já registrado pela Pastoral da Terra desde que este tipo de conflito começou a ser registrados. Deste então o número vem crescendo ano a ano: 79 em 2012, 93 em 2013 e 127 em 2014.

Só no Sudestes, os conflitos por água aumentaram 68%, passando de 38 para 64, com destaque para Minas Gerais (de 26 para 54). Esse aumento “está relacionado com o desastre ambiental da Samarco, com o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora, que destruiu o Vale do Rio Doce”, diz a nota.

A ação das mineradoras é responsável por 71 dos 135 conflitos por água registrados pela Pastoral da Terra. Outros 27 estão relacionados a hidrelétricas.

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