Volume Morto

Crise hídrica persiste com ações ineficazes do governo paulista, aponta Idec

Coletivo Aliança pela Água, com participação do Idec, divulgou um relatório com o panorama da crise hídrica no país; destaque para São Paulo

memória/ebc

Oliveira: “Obras de transposição de uma bacia para outra têm dado errado e atrasado”

São Paulo – Apesar das chuvas que superaram a média para o mês de novembro, a crise hídrica não é um problema superado, especialmente no Sudeste. É o que revela o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Carlos Thadeu de Oliveira, em entrevista hoje (2) para a Rádio Brasil Atual.

O coletivo Aliança pela Água, com colaboração do Idec, elaborou um relatório contendo o mapa da crise hídrica no país, através de um aplicativo chamado “Tá Faltando Água”, pelo qual qualquer cidadão pode relatar problemas de abastecimento. “É o primeiro relatório que o coletivo Aliança pela Água acaba de lançar. Ele aponta 12.943 casos de falta de água no país”, diz.

Mesmo com o problema atingindo todas as regiões do país, como a região Nordeste que sofre com secas de forma crônica, o destaque fica por conta da Grande São Paulo. “É o local em que a situação é mais grave. Dos cerca de 12 mil casos, mais de sete mil são nesta região. Isso se deve ao agravamento da crise nos últimos dois anos”, explica.

O ostracismo do tema na mídia e as recentes chuvas podem amenizar a discussão da crise hídrica na sociedade, porém, o gerente do Idec recorda que o sistema Cantareira ainda está no volume morto. “Para que estivéssemos tranquilos, precisaríamos acabar o verão com o reservatório acima do volume morto. Sabemos que ele não deve ser usado”, argumenta.

As ações de resposta do governo do estado, por meio da Sabesp, são ineficientes, como aponta Oliveira: “Hoje, de toda a água que tratamos e colocamos na rede, em São Paulo, as perdas são de 30%. Além disso, nosso sistema de tratamento de esgoto, na Grande São Paulo, não trata nem mesmo 30% da água”.

O aplicativo foi criado com a intenção de tornar público o problema, que de acordo com o gerente do Idec, as autoridades competentes mantêm em sigilo.

A falta de água é um problema de todas as regiões do país?

É um problema de vários lugares. Na região Nordeste, infelizmente é um problema crônico, mas para falarmos mais especificamente do que é novo, é a região Sudeste, particularmente em São Paulo, Rio e Minas. Estamos falando de uma crise em algumas bacias que alimentam esses três estados. Na Grande São Paulo, a situação é a mais grave, dos 12 mil casos, cerca de 7 mil são da Grande São Paulo. Temos uma concentração nessas região, obviamente o aplicativo é mais utilizado na região Sudeste por conta do agravamento que vamos passando nos últimos dois anos.

Por que esse aplicativo foi criado?

Foi criado porque, infelizmente, as autoridades públicas ainda têm negado essas informações.

A crise vai continuar? Pois parece que isso foi só o ano passado e agora está tudo bem. Mas isso é verdade?

Não, não está tudo bem. Você pode ver que nestes últimos dez dias o reservatório Cantareira tem subido 0,1 por dia, mas ele ainda está no volume morto. Então, para que estivéssemos tranquilos, precisaríamos acabar o verão com o reservatório acima do volume morto. Sabemos que o volume morto é uma reserva que não deveria estar sendo usada. E o consumo durante o ano todo pode acabar esgotando esses mananciais. Se não tivermos a 30 ou 40 porcento do volume normal, nunca teremos uma segurança hídrica.

Agora, as pessoas não podem achar que o problema desapareceu porque está chovendo. É como se tivéssemos uma banheira e só tivesse água no cano durante três meses ao ano. Você tem que encher essa banheira, não pode achar que a banheira com um fundo de água está tranquilo.

Existe alguma expectativa de sair do volume morto?

Infelizmente, a curto prazo não temos nenhum elemento que indique que vamos sair dele. O que apostamos e esperamos e lutamos para isso é que os governos tomem medidas para reduzir o desperdício de água. Isso quer dizer reduzir não só na parte do usuário, do cidadão, mas aquela água que é perdida nas redes. Cerca de 30% da água tratada, a mais preciosa, é perdida por vazamentos. Então, caberia aos governos investir pesado para reformular essas redes.

Isso está sendo feito?

Não. Esse é o problema, não temos nenhuma notícia de que isso esteja sendo feito, ao contrário, estão sendo feitas apenas grandes obras de transposição de uma bacia para outra, que tem dado errado e estado atrasado.

Uma coisa importante seria aumentar radicalmente o tratamento dos esgotos. Não é que não temos água, temos muita, mas poluída. Temos a represa Billings que é gigante e poluída. Temos o Rio Tietê, o Pinheiros, dois grandes rios que são canais de esgoto.

Isso não se resolve de um dia para o outro, mas há cidades que enfrentaram esse tipo de problema e resolveram enfrentar, como Paris, Nova York, que trataram esgoto e cuidaram dos mananciais. Cuidaram dos lugares que geram a água, as nascentes e trataram o esgoto para ser despejado no rio sem matá-lo. Que o rio possa ser outra fonte de captação de água.

Hoje, de toda a água que tratamos e colocamos na rede, em São Paulo, as perdas são de 30%. Tem regiões no Brasil que esse número passa de 50%. Além disso, nosso sistema de tratamento de esgoto, na Grande São Paulo, não trata nem mesmo 30% da água, ou seja, de toda água tratada consumida, só 30% é tratada de volta. É um ciclo de desperdícios.

Ouça a íntegra da entrevista: