licença prévia

Conselho aprova transposição do rio Paraíba do Sul sem garantia de segurança hídrica

Documento que a Sabesp utilizou e a Cetesb aprovou para garantir a segurança hídrica não é definitivo. População de Santa Isabel, onde fica a represa Jaguari, teme sofrer desabastecimento

Paulo Pepe/RBA

O rio Jaguari alcançava toda a área de mata mais baixa, mas hoje se resume a um córrego com um terço da vazão média

São Paulo – O Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo aprovou hoje (26) o licenciamento ambiental prévio para construção do sistema de transposição de água da bacia do rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, ao custo de R$ 830 milhões. Somente cinco conselheiros posicionaram-se contra e 24 foram favoráveis. Porém, um dos documentos mais importantes, o acordo federativo realizado entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para manutenção do volume de água do reservatório de Jaguari, ainda não foi efetivado e pode pôr em risco a segurança hídrica da região do Vale do Paraíba e do Rio de Janeiro.

Para o conselheiro Marcelo Manara – que votou contrariamente –, a autorização foi concedida sem nenhuma garantia de que o abastecimento da região do Vale do Paraíba e do Rio de Janeiro não será afetado pela obra. “A aprovação da licença ambiental se deu sob uma minuta. A minuta não é uma resolução, não tem efeito de norma, é uma intenção. E pode ser alterada, colocando em risco o abastecimento da população dessas regiões”, afirmou.

A promotora Tatiana Barreto, representante do Ministério Público Estadual paulista no conselho, também votou contra. Ela afirmou que o governo paulista fez um levantamento de 18 locais que poderiam fornecer água para a Região Metropolitana de São Paulo. “O reservatório Jaguari não constava desses pontos”, destacou.

A minuta foi elaborada pela Agência Nacional de Águas (ANA) e os três estados e propõe que a represa Jaguari deixe de ser utilizada majoritariamente para produção de energia elétrica e priorize o abastecimento humano. Na prática, determina a redução da vazão (saída de água) de aproximadamente 190 mil litros por segundo, para um máximo de 20 mil litros por segundo, até que o reservatório atinja 80% da capacidade.

Com isso, a Sabesp defende que não há risco de desabastecimento para a região do Vale do Paraíba nem do Rio de Janeiro, já que a retirada média da transposição será de 5,13 mil litros por segundo, muito abaixo da vazão média do reservatório Jaguari, que é de 296 mil litros por segundo.

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Reunião do conselho foi realizada na manhã de hoje, na sede da Secretaria Estadual do Verde e do Meio Ambiente

No entanto, desde o último dia 20, a vazão praticada no reservatório Jaguari tem sido de 30 mil litros por segundo. Ao mesmo tempo, a afluência (entrada de água) tem sido de apenas 6 mil litros por segundo, contra uma média histórica de 16 mil litros por segundo para o mês de agosto. “Se não respeitam agora, quem garante que essa regra vai ser respeitada em outro momento?”, questionou Manara. Para ter efeito regulamentar definitivo, a minuta deve ser aprovada e publicada em Diário Oficial como resolução da ANA.

Como forma de evitar o problema, os conselheiros aprovaram uma emenda ao parecer técnico da Cetesb que condiciona a emissão da concessão para a Sabesp utilizar o sistema de transposição à garantia dos níveis definidos na licença prévia. Com a concessão desta licença, termina a possibilidade de participação social na obra. Até a concessão da licença de instalação, os próximos passos são entregas de documentos e projetos para os órgãos técnicos do governo estadual e à ANA.

A transposição é considerada a principal obra para enfrentamento da crise hídrica pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). O objetivo é levar 5 mil litros de água por segundo do reservatório Jaguari, na bacia do rio Paraíba do Sul, para a represa Atibainha, do Sistema Cantareira, que opera no volume morto desde maio do ano passado. Serão 20 quilômetros de dutos, sendo parte seguindo trechos de estradas vicinais e outra parte em túneis sob áreas de preservação ambiental.

O empreendimento está dividido em duas partes, de acordo com o sentido da transposição: Jaguari-Atibainha tem previsão de construção de 14 meses; e Atibainha-Jaguari, em 36 meses. Essas duas ligações permitirão que a água seja enviada de um lado ao outro, conforme a necessidade.

Mais problemas

Outro protesto do conselheiro Manara foi quanto ao fato de Sabesp e Cetesb não considerarem uma série de recomendações feitas nas audiências públicas nos municípios de Santa Isabel e Igaratá, além de sugestões de ONGs. Entre outras coisas, foram cobrados planos de preservação ambiental e recomposição de mata ciliar. A resposta foi que o reservatório não é responsabilidade da Sabesp, portanto, não cabia à empresa propor tais medidas.

O reservatório é gerido atualmente pela Companhia de Energia de São Paulo (Cesp), mas a empresa não possui licença de operação. Segundo o conselheiro, a Cetesb está aguardando os documentos da Cesp para regularizar a situação, desde julho de 2014. A licença de operação é o documento que define compromissos de gestão e preservação. “E sem isso nosso pleito foi prejudicado”, destacou Manara. “O reservatório do Jaguari, numa forma legal de se entender, hoje, ele é um cão sem dono. Ninguém é responsável por ele, mas todo mundo quer tirar água dele”, disse.

Manara ainda questionou a inexistência de “gatilho” para definir a realização da transposição. “Isso tinha de estar colocado: quando tal reservatório chegar a este percentual vamos transferir tantos litros de água. Qual é o gatilho?”, questionou.

No entanto, nenhuma dessas questões impediram o conselho de autorizar a transposição. Em apenas 90 minutos de discussão, em que poucos conselheiros se manifestaram, o parecer da Cetesb pela concessão da licença ambiental prévia foi aprovado.

Santa Isabel

Outra ponderação contrária à aprovação foi feita pelo presidente da Associação de Pescadores de Santa Isabel, Jair Simão Ferreira, que não é membro do conselho. Ele teme que a cidade sofra desabastecimento, pois a represa Jaguari está com o nível baixo e a prefeitura teve de fazer uma barragem improvisada, com apoio do Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee) para segurar a água em local onde fosse possível realizar captação para manter o abastecimento, que hoje é municipal, mas passará à administração da Sabesp a partir de janeiro de 2016.

“A captação pretendida poderá ser realizada das cotas 623 a 603 do reservatório. Mas hoje nós quase não conseguimos fazer captação para a cidade e estamos na cota 609. Como vamos ter garantia de que não vamos ficar sem água”, questionou Jair. As cotas são unidades de medida (uma cota = 1 metro) contadas a partir do nível do mar (equivalente a zero).

A promotora Tatiana também apontou para o risco de ocorrer nesta transposição o que houve com a do Rio Guaió para o Sistema Alto Tietê, que depois de pronta não tem água para fazer o sistema funcionar. “As condições atuais demonstram que pode não ser possível garantir o nível mínimo para operação da transposição”, afirmou.

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O pescador Jair relatou que a água chegava à marca acizentada na ponte, mas hoje está 20 metros abaixo

A associação organizou um abaixo-assinado com 6.654 assinaturas de moradores de Santa Isabel contrários à transposição, que foi entregue à Sabesp, Cetesb, Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos e Daee. Nenhum órgão se manifestou sobre o documento.

Jair ressaltou que na audiência pública realizada em Santa Isabel foi pedido, tanto pela associação quanto pela prefeitura, que fosse construída uma barragem definitiva em Santa Isabel, para evitar situação como a ocorrida em 2014, quando os moradores chegaram a ficar 35 dias sem água. A Sabesp alegou que como vai realizar a operação do sistema não há necessidade de construir a barragem.

Outra preocupação para o pescador é que o município de Guarulhos, onde fica a nascente do Jaguari, obteve autorização para captar 5 mil litros de água por segundo. “Tiram água antes de chegar aqui, não querem fazer a barragem que reivindicamos e vão tirar mais água para mandar para São Paulo. E nós como ficamos?”, questionou.

Embora o reservatório Jaguari esteja hoje com 25% da capacidade, o local em que o município de Santa Isabel faz a captação está no limite. Há um ano, o ponto onde fica a bomba de água do município tinha quase 30 metros de profundidade. Hoje são apenas dois metros de profundidade de água. E, isso, após a construção da barragem improvisada. Depois dela, a água corre na forma de um córrego lento, que vai sendo coberto por plantas, ladeado por barrancos de terra seca que podem deslizar para o leito do rio a qualquer momento.

O ribeirão Araraquara, de onde o município tirava 70% da água para abastecer os 55 mil moradores, secou. Para manter o abastecimento, o prefeito de Santa Isabel, padre Gabriel Bina (PSD), mandou construir uma ligação com o encanamento da indústria têxtil Paramount, que tem concessão para captação de água no Jaguari. “Com isso, estamos totalmente dependentes do Jaguari”, explicou o prefeito.

Pressionado pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB) para liberar as obras de transposição, que necessitam de autorização de uso e ocupação do solo do município, Bina tentou emplacar um acordo com a Sabesp que garantisse o abastecimento gerido pela estatal, o represamento da água como reivindicam, a troca da rede de água – que ainda é feita de tubos de amianto – e a operação da estação de tratamento de esgoto da cidade, que está sendo construída.

O barramento, porém, tem sido negado pela Sabesp. “A construção de uma barragem definitiva é muito importante para a cidade. Não temos recursos próprios para fazer essa obra e se algo não der certo precisamos ter segurança de que vamos manter o abastecimento”, afirmou.

Paulo Pepe/RBAorlando
O vereador petista reivindica que o município não seja só doador de água, mas que tenha um plano de desenvolvimento

Além das obras para garantir abastecimento, o vereador Orlando Paixão (PT) reivindica que sejam garantidas outras contrapartidas ao município. “Temos uma vasta área de preservação ambiental, com leis muito rígidas que nunca permitiram o desenvolvimento do município. Mas sempre que foi preciso Santa Isabel cedeu, como está cedendo agora. Queremos que seja feito um plano de desenvolvimento sustentável para a cidade, considerando a preservação ambiental, mas possibilitando criar empregos e renda”, afirmou.

Paixão teme ainda que o barramento, feito de terra ou pedras, não resista caso uma chuva mais forte eleve repentinamente o nível da água. “Se tivermos um aumento seguido de nova baixa dos níveis esse represamento não vai aguentar. É muito urgente que seja construída uma barragem para garantir água a Santa Isabel”, salientou.