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Alckmin tem até amanhã para sancionar ou vetar ‘código florestal piorado’ para SP

Projeto aprovado por acordo entre deputados estaduais não foi discutido no Conselho Estadual de Meio Ambiente e prevê sérios riscos às Áreas de Preservação Permanentes por conta da crise hídrica vivida pelo estado

Henrique Manreza/Folhapress

Lei estadual prevê que o reflorestamento em APP seja declarado ‘de interesse social’: poder público assume responsabilidade e custeio

São Paulo – O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), tem até amanhã (14) para sancionar ou vetar o Projeto de Lei (PL) 219, de 2014, que institui o Programa de Regularização Ambiental – regulamentação específica de normativa do Código Florestal – no estado. Para o diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Montovani, o projeto é uma versão piorada da legislação federal aprovada em 2012. “É um desastre anunciado. Nós estamos condenando os rios de São Paulo se isso for sancionado”, afirmou.

Segundo Montovani, a maior parte do projeto apenas reafirma regras já estabelecidas na Lei Federal 12.651, de 2012 – o Código Florestal. Porém, alguns pontos são considerados “catastróficos” por ele, sobretudo em virtude da crise hídrica que vive o estado de São Paulo, cujo maior problema está na região metropolitana da capital, área mais urbanizada do país.

“São Paulo foi avançado quando fez o Decreto 32.954, em 1991, que estabelece o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos. O primeiro plano federal só surgiu em 1997. E podia ter avançado novamente, corrigido os erros criminosos do governo federal no Código Florestal, mas não o fez”, lamentou Montovani.

O diretor da SOS Mata Atlântica avalia que a realidade de São Paulo é diferente do resto do Brasil, já que é uma área extremamente urbanizada em que as represas que abastecem a região metropolitana, comumente, têm pequenas chácaras à beira. Assim, a legislação estadual deveria ser mais rigorosa do que a federal, e não igual ou mais frágil. “Todos os rios estão assoreados. E as cidades, com dificuldades no abastecimento. Mas ninguém está fazendo recuperação. E se aprovarem esta proposta como está vão se consolidar, por exemplo, áreas de beira rio sem cobertura florestal, o que pode acabar com os cursos de água”, explicou.

Um grupo de entidades reunidas no Observatório do Código Florestal encaminhou uma carta ao governador e à secretária de Meio Ambiente, Patrícia Faga Lemos, no último dia 8, pedindo o veto total do projeto. Entre as signatárias da carta estão, além da SOS Mata Atlântica, o Instituto Sócio Ambiental (ISA), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a Iniciativa Verde, a WWF-Brasil, a Amigos da Terra e o Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá)

O projeto reafirma a lei federal, estabelecendo  que proprietários de terrenos próximos ou internos a Áreas de Preservação Permanente (APPs), como é o caso do entorno de rios e represas ou de terrenos de áreas rurais, terão de recompor a mata ciliar em razão proporcional ao tamanho do terreno, definido por módulos fiscais, que variam de dimensão em cada cidade. Na capital paulista, um módulo fiscal equivale a cinco hectares (50 mil metros quadrados).

Assim, quem tem um terreno de até um módulo fiscal deve manter a mata ciliar ou reflorestar uma faixa de cinco metros de largura. De um a dois módulos, oito metros. De dois até quatro módulos fiscais, 15 metros. Propriedades acima de quatro módulos (200 mil metros quadrados) têm de manter 30 metros de mata preservada.

“Imagine se uma pessoa tem uma propriedade de 300 hectares e, do lado, uma de cinco hectares e outra com 150. O primeiro deverá manter 30 metros de preservação, o outro, apenas cinco e o terceiro, 15 metros. Como vai ficar uma mata ciliar que fica oscilando em 30 metros, depois cinco, depois 15, depois cinco de novo?”, questionou Montovani.

O projeto foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo em 10 de dezembro, após um acordo entre a base aliada do governador e a oposição, que culminou na expressiva votação de 65 deputados estaduais favoráveis e dois contrários. O projeto passou por apenas uma audiência pública que, de acordo com Montovani, foi só para cumprir a lei. “Não foi ouvido ninguém. Nem foi mesmo uma audiência, foi uma enganação. Ninguém sabia como era o projeto. Eles (os deputados) mexeram no último dia antes do encontro”, acusou.

O Conselho Estadual de Meio Ambiente, órgão consultivo do governo estadual, não tratou do assunto em nenhuma de suas reuniões no ano passado, de acordo com as atas de reunião registradas, apesar de o PL ter sido apresentado em março. O conselheiro representante dos sindicatos, Jaelson Ferreira, lamentou que já não seja mais possível o colegiado avaliar o documento. “Os conselheiros queriam ter discutido o projeto. Nossa próxima reunião é em 27 de janeiro. Não dará tempo. E até agora também não há nada na pauta sobre isso para o encontro.”

Para Montovani, as faixas de reflorestamento são quase irrisórias para garantir a preservação de mananciais. A faixa anterior ao novo código, de 30 metros, independente do tamanho do terreno, era fundamental para evitar a erosão do terreno e impedir a chegada de venenos agropecuários aos rios e represas, por exemplo.

“Cinco metros é para plantar uma árvore, um coqueiro. Isso não protege nada. Além disso, vai se consolidar o que houver lá. Se tiver um chiqueiro quase dentro da água, está consolidado. Não vai evitar a poluição”, disse, referindo-se ao fato de que as atividades agrícolas ou pecuárias existentes nas propriedades serão legalizadas a partir do início da regularização, que deverá ser realizada em até 20 anos.

Além disso, a lei estadual não veta a utilização de espécies frutíferas para reflorestamento e permite a utilização de espécies exóticas mesmo em áreas pequenas, de até cinco hectares. Esses pontos foram vetados na lei federal, para não incentivar a monocultura ou o uso comercial do reflorestamento.

Outro ponto que preocupa Montovani é que a lei estadual prevê que o reflorestamento em APP seja declarado “de interesse social”, fazendo com que o poder público assuma a responsabilidade – e o custeio.

“É correto pagar serviço ambiental para quem mantém uma área natural preservada, uma nascente. É um incentivo para evitar que a pessoa destrua o local para fazer um pasto. Agora, aquele que tirou a mata e tem um chiqueiro, se o Estado mandar recuperar, tem de pagar!? Isso não é serviço ambiental, foi um problema que o proprietário causou. É uma armadilha para o poder público”, concluiu Montovani.