COP-20

Impasse ameaça discussões sobre aquecimento global em conferência da ONU

Países reunidos em Lima precisam superar imobilidade histórica para implementar a etapa 'Pós-Kyoto' a partir de 2020 e viabilizar metas de redução das emissões de gases de efeito estufa

Paolo Aguilar/ABr

Encontro em Lima tem o desafio de preparar as nações para assinar o novo acordo mundial em prol do clima

Rio de Janeiro – A três dias de seu encerramento, a vigésima Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-20, na sigla em inglês), que se realiza em Lima, caminha sobre a corda bamba. A queda acontecerá se for repetido no Peru o impasse diplomático que nos últimos cinco anos tem paralisado as discussões multilaterais sobre o aquecimento global, com países ricos e em desenvolvimento jogando uns sobre os outros a responsabilidade pelo primeiro passo. Esse risco ainda existe, mas, se a travessia sobre o vazio for concluída com sucesso, os 190 países signatários da Convenção terão alicerçado de forma concreta as bases do acordo climático que permitirá a implementação da etapa “Pós-Kyoto” a partir de 2020.

Para que haja tempo hábil de aplicar as medidas e alcançar as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa de forma a limitar o aquecimento do planeta a dois graus Celsius, é preciso que o novo acordo, que sucederá o Protocolo de Kyoto, seja assinado já na COP-21, marcada para o ano que vem em Paris. Essa urgência está presente nos discursos de todos os representantes de governo que, desde ontem (9), participam da reunião do chamado Segmento de Alto Nível, última etapa da COP-20, quando será elaborado o documento final da conferência: “Temos uma janela de oportunidade que está se fechando rapidamente, e todos os países têm que fazer parte dessa questão. Temos que agir já. Não é um momento de dúvidas, mas de transformação”, disse o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon.

O sul-coreano pediu pressa aos países desenvolvidos e emergentes para que apresentem até março de 2015 suas metas voluntárias de redução – Contribuições Intencionais Nacionais Determinadas ou INDC, na sigla em inglês – como previamente estipulado, e também anunciou a realização de uma nova reunião de cúpula sobre o clima, em Nova York, em junho do ano que vem. O encontro servirá para aparar eventuais arestas antes da COP-21 na França. A precaução da ONU é compreensível, uma vez que uma série de temas da agenda climática global evolui a passos de tartaruga, tradição que vem sendo obedecida à risca em Lima.

Apesar de o presidente da COP-20, o ministro peruano do Meio Ambiente Manuel Pulgar Vidal, ter prometido que durante o Segmento de Alto Nível os governos “pouco teriam a acrescentar” ao chamado Draft Zero (‘Rascunho Zero’, tese guia para o documento final da Conferência), ainda é preciso preencher diversas lacunas. Elas existem não somente no que diz respeito à quantificação das metas de redução das emissões de cada país, mas também quanto ao financiamento do Fundo Global do Clima – ou Fundo Climático Verde – que, embora tenha a promessa de receber US$ 100 bilhões por ano, acumula apenas um décimo disso em quase cinco anos de existência.

Até o momento, poucos chefes de Estado chegaram ao Peru. Por enquanto, a maior estrela da COP-20 é o presidente da Bolívia, Evo Morales, que, fiel ao seu estilo, declarou que os países ricos são “ladrões do clima”. Também marcam presença em Lima o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, e o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore. A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, também é vista como peça chave nessa reta final de negociações, pois uma proposta apresentada pelo Brasil será, ao que tudo indica, a principal referência do Draft Zero, embora, segundo queixa do Itamaraty, tenha sido apresentada de forma errada hoje (10) pelo coordenador de redação do documento.

Proposta brasileira

Sob a forma de “círculos concêntricos”, a proposta brasileira, que até aqui tem a simpatia de outros países emergentes como China e Índia, estabelece obrigações para todos os países, mas de forma diferenciada. Ela os divide em grupos: 1) no primeiro círculo estão as 37 nações mais industrializadas, que deverão assumir metas de redução das emissões de gases de efeito estufa e também se comprometer a contribuir financeiramente para o Fundo do Clima; 2) no segundo círculo estão os países emergentes, como o Brasil, que também terão metas de redução, mas voluntárias e sujeitas a mudanças provocadas por fatores como aumento do PIB ou da população; 3) No terceiro e mais amplo círculo ficam os países mais pobres, em sua maioria africanos ou asiáticos, que seriam encorajados financeira e tecnologicamente a adotar modos de produção sustentáveis.

Segundo o modelo apresentado pelo Brasil, todos os países devem, com o tempo, convergir para o círculo menor, momento em que o conjunto das nações chegará à redução estimada para evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse os já temidos dois graus Celsius: “A proposta é viável por três razões. Primeiro porque permite que todo mundo entre no jogo. Segundo porque permite que cada governo e cada sociedade faça sua própria trajetória para chegar ao centro. Terceiro porque dialoga com a meta de dois graus”, diz Izabella Teixeira.

A proposta brasileira também trata das early actions (ações de curto prazo) e determina que os países que estão reduzindo voluntariamente suas emissões ou que estão reduzindo além do que se propuseram comecem a ser premiados por esse ativo: “O Brasil propõe que se reconheça também o valor social da redução desse carbono, que traz ganhos ao mudar o modo de viver das populações. Isso seria contabilizado, teria atribuído um valor monetário”, diz a ministra.

Para que a proposta do Brasil prospere, Izabella ressaltou a importância de se viabilizar de forma concreta o Fundo do Clima: “Qual o custo para se chegar ao centro da meta e manter isso? Em que condições as economias ficam competitivas, gerando emprego, entre outras coisas, em uma nova realidade global de redução das emissões em um mundo que no próximo século estará marcado pela gestão do risco ambiental?”, questiona.

Metas voluntárias

A União Europeia promete reduzir suas emissões em 40% até 2030, enquanto Estados Unidos e China assumiram compromissos voluntários após um encontro bilateral realizado em outubro. Os EUA afirmou a meta de reduzir suas emissões entre 26% e 28% até 2025, em relação às suas emissões de 2005. Já a China promete elevar para 20% a participação de energias renováveis em sua matriz energética até 2030 quando, segundo seu governo, atingirá o pico de suas emissões.

O Brasil, por sua vez, não tem a intenção de anunciar em Lima nenhuma INDC. O país, no entanto, assumiu desde a COP-15, realizada em 2009 em Copenhague, o compromisso voluntário de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 36% e 39% até 2020. Com a redução do desmatamento desde então, o país já deixou de emitir 650 milhões de toneladas de gases provocadores do efeito estufa: “Isso é igual ao que o Reino Unido emite por ano”, diz Izabella, convicta da força do país nesta reta final de negociações na COP-20.