Resíduos sólidos

País ainda não entende dever de lidar com o lixo de maneira sustentável

Depois de quatro anos para aplicação de Plano Nacional de Resíduos Sólidos, empresas, estados e municípios estão em débito. E famílias também. Um terço do lixo doméstico pode ser separado para reciclagem

ABr

Ministra Izabella Teixeira, em evento da Ação Limpa Brasil, por educação ambiental e descarte correto de resíduos

Brasília – O prazo para que os municípios cumpram a determinação da Política Nacional de Resíduos Sólidos de acabar com os lixões e armazenar os resíduos sólidos em aterros sanitários termina hoje (2). Mas menos da metade deles tem destinação adequada do lixo. O Brasil tem 2.202 municípios com aterros sanitários, o que representa 39,5% das cidades do país. E o que vai acontecer?

Houve quem imaginasse que o governo, diante da crua realidade, decretasse que o que não tem remédio remediado está, prorrogando numa canetada providencial uma prorrogação do prazo. Mas não é bem assim. O plano foi estabelecido por lei, e se há quem possa flexibilizá-la, é o Legislativo. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, informou que o governo federal não vai estender o prazo e que uma ampliação pode ser discutida no Congresso Nacional. Mas antecipa que uma repactuação do prazo para a adequação deve vir acompanhada de um debate ampliado. Tudo bem levar em conta a realidade e a lógica econômica de cada município, mas com metas mais consistentes: “A necessidade de repactuar o prazo deve ser tratada no Congresso Nacional. O governo apoia uma discussão ampliada sobre a lei. Mas ampliar o prazo sem considerar todas as questões é insuficiente”, diz a ministra.

E a bola está com o Ministério Público. Quem não cumprir a legislação estará submetido às punições previstas na Lei de Crimes Ambientais, que prevê multa de R$ 5 mil a R$ 50 milhões. Umas das alternativas para as cidades que não cumpriram a meta seria buscar um acordo com o MP, e firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

“Aqueles que demostrem interesse de cumprir as obrigações, que firmem acordo com o Ministério Público. Se não fizer absolutamente nada, nem tomar providências, nem assinarem o TAC, vão responder por ação civil pública, por improbidade administrativa e crime ambiental”, avisa a a procuradora do Trabalho do Paraná e coordenadora do projeto Encerramento dos Lixões e Inclusão Social e Produtiva de Catadores de Materiais Recicláveis do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Margaret Matos de Carvalho.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi lançada a partir da lei 12.305/10, sancionada em dezembro de 2010 – que deu quatro anos a governos estaduais, prefeituras e empresariado para que se adaptassem. Prevê que de hoje em diante não deverão mais existir lixões a céu aberto no território brasileiro e que estes sejam substituídos por aterros sanitários. Também determina que do total do lixo produzido por cada residência, somente 10% seja destinado a tais aterros. O restante, devidamente separado da forma correta nos lixos domésticos, será encaminhado pelas empresas privadas para reciclagem.

Para que toda essa operação funcione, os governos estaduais deveriam ter feito planos de gerenciamento e acompanhar o trabalho dos municípios, já que é às prefeituras que compete a elaboração dos planos de resíduos, construção de aterros sanitários e desativação dos lixões, além de articulação com o empresariado para a montagem da política, propriamente. A legislação estabelece punição para as cidades que não se adequarem às metas previstas, com as multas acima citadas mais a possibilidade de prefeitos e gestores públicos (como secretários ou coordenadores municipais) virem a ser enquadrados em processos judiciais por improbidade administrativa.

Acontece que todos estão muito longe

Até mesmo as negociações com o empresariado – muitas delas firmadas com a interlocução do governo federal – foram formalizadas com atraso no último semestre, conforme criticam ambientalistas. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em março passado, aponta que do total de municípios no país, mais da metade não trata o lixo devidamente ou tem lixões. Para se ter ideia, 2.810 deles não tratam o lixo, enquanto 2.906 ainda possuem lixões em funcionamento, em situação que, mesmo as prefeituras tendo iniciado a política nos últimos três meses, não permitirá a adequação a partir de agosto.

Toda essa arrumação de última hora acarreta em valores que podem chegar a R$ 70 bilhões para os governos municipais. Um dinheiro que, como não se organizaram, os prefeitos dizem não ter em curto prazo. A pior situação, segundo a Associação Nacional de Órgãos Municipais do Meio Ambiente, é observada em cidades localizadas nos estados do Maranhão, Mato Grosso, Pará e Ceará. “Isso ocorre, principalmente, por dificuldades financeiras”, explicou o presidente da associação, Pedro Wilson, durante encontro na Câmara dos Deputados que discutiu o problema.

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) é outra a reclamar. O presidente, Paulo Ziulkoski, afirmou que há anos tem alertado o Congresso e a União para o fato de que as prefeituras não possuem recursos para fazer cumprir a lei e, assim, acabar com todos os lixões do país, bem como organizar a coleta seletiva, instalar usinas de reciclagem e depositar o material orgânico em aterros sanitários. “São necessários R$ 70 bilhões para transformar todos os lixões em aterro sanitário, no total, se forem considerados os municípios que estão atrasados nesse processo. Isso equivale à arrecadação conjunta de todos os municípios do país. Quando acabar o prazo, os prefeitos estarão sujeitos a serem processados pelo Ministério Público por não terem cumprido a lei, mas as prefeituras não tiveram auxílio financeiro para isso”, disse.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), acha que o pleito é justo e apoia a discussão para prorrogação desse prazo para as prefeituras. Mas a Frente Parlamentar Ambientalista – que congrega deputados e senadores – não tem a mesma opinião. Em recente reunião, o coordenador da Frente, deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), deixou claro que o grupo não quer o adiamento da data para os municípios se adequarem à lei, pois entendem que a medida só aumentará o problema. “Se dilatarmos o prazo em mais dois anos, em 2016 vão nos pedir mais um adiamento. Para nós é um ponto de honra: lixão é crime. Não pode, não tem jeito”, colocou.

Já o deputado Sarney Filho (PV-MA), ex-ministro do Meio Ambiente, cuja irmã é governadora do Maranhão (Roseana Sarney) – um dos estados onde existem municípios com maior número de aterros sanitários e que pouco apoiou a política – se mantém em cima do muro em relação ao assunto. Sarney Filho ressaltou que foram feitos avanços, apesar de a política não vir a ser cumprida em tempo hábil, e destacou exemplos que mostram ser possível as prefeituras se articularem, como foi visto na Alemanha (aviso: esta declaração foi dada antes dos 7 a 1). Mas, a seu ver “é necessário que o governo federal coordene melhor o trabalho das prefeituras”.

‘Adiamento é bobagem, temos é de trabalhar’

A ministra do Meio Ambiente tem chamado a atenção de prefeitos e empresários em seminários e eventos de que participa. Izabella Teixeira tem destacado em conversas nos gabinetes, quando procurada pelos gestores e representantes do empresariado, que em vez de ficarem pedindo mais tempo eles deveriam discutir como solucionar o problema de uma vez por todas e implantar a chamada logística reversa, inclusive estabelecendo novas formas de isenções tributárias que auxiliem nesse processo.

“Todo mundo fica discutindo o que vai acontecer se não acabarmos com todos os lixões do Brasil até 2 de agosto. Só que desde 1998 a Lei de Crimes Ambientais já diz que é crime colocar rejeitos em locais não apropriados. Então não é de agora”, resume.

A ministra reconhece que a lei não levou em consideração essas diferenças entre os municípios, o que atrapalhou a implantação da política. “A estratégia imediata foi resolver a situação nas grandes cidades, de forma permanente. Com isso na cabeça, passamos a trabalhar com prazos e caminhos diferenciados em regiões que às vezes não têm infraestrutura nem de deslocamento. Como tirar os resíduos de lugares onde se leva três dias para ir de barco?”, ponderou, ao dizer que entende que as diferenças regionais atrapalham a situação em determinados municípios. Mas deixou claro: “Não estou criticando a lei ou dizendo que temos de mudá-la, o que temos é de aperfeiçoar sua aplicação. Adiamento é bobagem, temos é que trabalhar nestas questões”.

De acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), João Gianesi Netto, faltou capacitação e conscientização por parte dos prefeitos. “Alguns não criaram os planos por ignorância, outros por desconhecimento técnico. Em muitos municípios de pequeno e médio porte, a destinação dos resíduos é gerenciada por pessoas que não têm a formação adequada”, reconhece.

A Associação Nacional de Órgãos Municipais do Meio Ambiente apresentou como uma possível solução o uso da lei de consórcios públicos interfederativos, de forma a permitir parcerias para a construção de aterros sanitários. Ele usou como exemplo projeto que está sendo desenvolvido pelo governo do Distrito Federal e prefeituras de Goiás, no entorno da capital federal. “Em vez de fazer 40 aterros, as prefeituras podem se mobilizar para fazer 20 ou 10, neste tipo de parceria”, sugeriu Pedro Wilson, presidente da associação.