Resíduos sólidos

Joaquim Santos, catador de recicláveis: ‘Tudo caminha a passos muito lentos’

'Às vezes eu enjoava disso e ia procurar faxina, mas com o tempo me acostumei. Não quero mais sair. Se o lixão acabar e nos colocarem para trabalhar diretamente com a reciclagem, pode ser que melhore'

ABr

Galpão da Cooperativa de Reciclagem na Cidade Estrutural (DF). Apenas 8% dos municípios têm programas de coleta seletiva

Brasília – Enquanto se discute adiamento ou não da data de implantação da lei, os problemas apontados pelos mais diversos setores envolvidos na política são muitos. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos prevê, por exemplo, que, primeiro o município deverá estabelecer a separação de resíduos secos e úmidos. Depois, progressivamente, deverá separar os resíduos secos em tipos específicos, como vidro, plástico e papel.

Mas a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos ressalva que a coleta seletiva é feita por apenas 60% dos municípios brasileiros. No Centro-Oeste, por exemplo, só 32% dos municípios têm coleta seletiva, enquanto no Sudeste o índice chega a 80%. Esses percentuais até poderiam não parecer assustadores, num país com tantas desigualdades. Mas são, porque dados da mesma entidade mostram que hoje, cada brasileiro produz em média 383 quilos de lixo por ano – um feito nacional de 63 milhões de toneladas em 12 meses.

A associação também registra que esse montante cresceu 21% na última década, enquanto o tratamento adequado dado aos resíduos não aumentou. Resultado: mesmo com todas as campanhas públicas apenas 3% dos resíduos sólidos produzidos nas cidades brasileiras são reciclados, apesar de pelo menos um terço de todo o lixo urbano ser potencialmente reciclável.

“As associações ambientalistas têm feito cobranças, mas podiam se dedicar um pouquinho mais. O Brasil é o país que mais recicla latinhas de alumínio, mas essa prática é anterior à lei e mérito dos catadores de lixo”, afirmou a consultora legislativa na área de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, Sueli Araújo, que alerta para a importância de os catadores serem mais aproveitados no processo de destinação de resíduos e logística reversa pelas prefeituras. Segundo ela, a atuação desses profissionais termina ficando limitada, já que eles não podem lidar com substâncias perigosas que existem em alguns resíduos.

“O que mais está sendo deixado de lado, em meio a esse atraso, é o trabalho em parceria com os catadores, para estimular a inclusão social deles, por meio do trabalho de reciclagem”, afirmou Joaquim Santos, um dos coordenadores da cooperativa 100 Dimensão, localizada no Riacho Fundo (região administrativa do DF), que recebe, por mês, quase 100 toneladas de resíduos. Santos explicou que lá se reúnem, diariamente, perto de 60 pessoas para trabalhar em três turmas e separar os produtos por categoria para a reciclagem. “Fomos chamados para algumas reuniões com o pessoal do governo, falaram em cursos de aperfeiçoamento, mas a verdade é que continuamos fazendo o mesmo trabalho e não vimos mudanças”, assinalou.

“Aqui está tudo igual”, contou Luciana Helena dos Anjos, de 24 anos, que todos os dias vai com o marido para o lixão da via Estrutural. “Ele só não está por aqui agora porque foi do outro lado buscar o material que é mais pesado.” Helena diz que já trabalhou como empregada doméstica em casa de família e está no trabalho de catadora há quatro anos. “Às vezes eu enjoava disso aqui e ia procurar uma faxina, mas com o tempo me acostumei com o trabalho e não quero mais sair. Se o lixão acabar pode ser que melhore se nos colocarem para trabalhar mais diretamente com a reciclagem, mas se nada for feito, pode ficar até ruim para nós”, lamentou, ao acentuar que nos meses em que consegue pegar um bom material, chega a apurar perto de R$ 400 por mês.

Luciana não tem filhos, mas outras mulheres que também trabalham no Lixão da Estrutural comentam que preferem ficar lá para ter mais horário com as crianças recém nascidas. É o caso de Eunice Andrade, que há 15 anos saiu do Ceará para o DF em busca de melhores oportunidades. “Estou no lixão, mas não lamento. Gosto do trabalho que fazemos, separando o material que vai para reciclagem. Além disso, tenho horário para cuidar dos meus filhos, um com 6 meses e outro com 1 ano e meio. Tem dias que chegou aqui cedo, tem dias em que não venho. Num trabalho fichado eu não poderia fazer isso”, conta ela, que pretende, dentro de alguns a nos, levar os meninos com ela para o trabalho. Eunice enfatizou que, nos meses “bons”, já chegou a apurar até R$ 480. “Mas isso é raridade, em média a gente faz perto de R$ 300.”

No Movimento Nacional de Catadores Recicláveis (MNCR), que congrega catadores de todo o país, a situação é avaliada de acordo com cada estado. No DF, eles elaboraram documento intitulado “Carta de Brasília”, em 2012, em que pediram que as prefeituras os paguem pelo auxílio no recolhimento e separação do lixo e para que ofereçam cursos de capacitação que os levem a aprimorar o seu trabalho. Joaquim Santos afirmou que as reivindicações são semelhantes para todo o país, mudando apenas algumas diferenças regionais, mas o que viram até agora em relação à política não os deixou satisfeitos. “Temos procurado acompanhar tudo, mas os cursos prometidos ainda não vieram porque a desativação dos lixões ainda não virou realidade. A impressão que temos é que tudo está caminhando a passos muito lentos”, acrescentou.

De norte a sul

A situação é crítica de norte a sul, leste a oeste. Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) afirma que o Lixão da Estrutural, em Brasília, já é considerado o maior da América Latina. O terreno tem o tamanho de 170 campos de futebol e uma montanha de lixo de 50 metros de altura onde trabalham cerca de 2 mil catadores de material reciclável. O governo do Distrito Federal divulgou, por meio da secretaria de Imprensa, que até o final do ano entregará em funcionamento um aterro sanitário em Samambaia, região administrativa do DF localizada distante 20 quilômetros de Brasília. Enquanto outros três aterros devem ser construídos em parceria com os governos de seis municípios vizinhos.

No Pará, em Belém, o Lixão do Aruá tem situação bem parecida com o lixão da Estrutural do DF. No local trabalham aproximadamente 1.600 mil catadores 24 horas por dia. A previsão, segundo o secretário municipal de Saneamento, Luiz Otávio Mota Pereira, é de que dentro de um ano o lixão seja fechado. “Antes da lei dos resíduos sólidos, muitos administradores estavam empurrando com a barriga e não se preocupavam com o assunto. Mas chega uma hora que temos de levar isso a sério e é o que estamos fazendo”, diz Pereira.

Em Rondônia, a prefeitura de Porto Velho informou que também prevê o encerramento das atividades do chamado Lixão da Capital dentro de um ano. O local é o único utilizado para destinação dos resíduos sólidos na cidade.

No Ceará, segundo um levantamento feito pela deputada estadual Eliane Novais (PSB) – que faz trabalho de acompanhamento da política de resíduos sólidos – são 300 os lixões existentes. “São quase dois lixões em média, para cada um dos 184 municípios cearenses, um verdadeiro absurdo”, destacou a deputada, para quem a questão não foi tratada com a prioridade que merece pelas prefeituras. “Sem planos de gestão, o Ceará produz, por dia, 14 mil toneladas de lixo. Os maiores geradores são Fortaleza e Caucaia, na região da capital, e Juazeiro do Norte”, afirma.

No Maranhão, apenas dois municípios atendem à lei de resíduos sólidos. A superintendente de Gestão de Resíduos da secretaria estadual de Meio Ambiente, Adriana Arouche Figueireido, justificou-se dizendo que o governo estadual tem feito sua parte fiscalizadora para que os municípios entreguem os planos e instalem os aterros: “Fizemos um plano estadual de resíduos, realizamos conferências praticamente em quase todos os municípios e também reuniões na Assembleia e no Ministério Público, além de workshops”.

Mas dos 217 municípios maranhenses, apenas 25 enviaram ao órgão planos de gestão ambiental integrada. E desses 25 apenas dois preenchem os requisitos impostos pelo artigo 19 da lei que trata da política de resíduos. Já quanto ao pedido de licenciamento para aterros sanitários, nenhum deles foi encaminhado ao governo estadual. Existem 250 lixões nos municípios maranhenses e nenhum aterro sanitário público licenciado – apenas um aterro controlado, que é o da Ribeira, em São Luís.

Em Cuiabá (MT), apenas 1% de todo o lixo produzido é reciclado. Significa dizer que apenas cinco das 500 toneladas diárias do lixo coletado na capital mato-grossense deixam de ir para as montanhas do lixão, localizado no Balneário Letícia, onde a política caminha mais do que devagar. O professor Paulo Modesto Filho, especialista em engenharia sanitária e ambiental da Universidade Federal do Mato Gross, disse que o índice muito baixo está longe do ideal. “Só para se ter uma noção, Londrina, cidade no Paraná com praticamente o mesmo número de habitantes daqui, recicla 50% de todo seu lixo produzido. Lá, houve programas e cumprimento de metas e aqui, ao que parece, não há vontade política para tal”, reclama.

Papel dos estados

Boa parte das reclamações são direcionadas, também, aos governos estaduais, que receberam a missão, na mesma lei que instituiu a política, de organizar e manter de forma conjunta um sistema de gestão de resíduos sólidos, de forma a controlar e acompanhar o trabalho dos municípios. Nem todos fizeram a sua parte.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, o plano que irá determinar como os municípios devem cuidar dos resíduos domiciliares, arbóreos e da construção civil, entre outros, nem sequer saiu do papel. Responsável pela coordenação do trabalho no âmbito do governo estadual, Luiz Henrique Nascimento explicou que o motivo do atraso é uma questão judicial entre duas empresas de consultoria especializadas que disputaram a licitação. O plano, de acordo com ele, está orçado em R$ 2,2 milhões e deverá ser executado em até um ano. Além de mapear o tratamento de resíduos por regiões, o trabalho indicará alternativas de viabilidade técnica e econômica.

Em Minas Gerais, as reclamações são semelhantes. A expectativa é de que os lixões só deixem de funcionar dentro de quatro anos, conforme previsão do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea). O diretor da entidade Luciano Marcos da Silva afirma que a falta de destinação correta dos resíduos sólidos provoca uma perda econômica para o estado, que não fez o dever de casa direito e não se planejou para acompanhar e cobrar o trabalho dos municípios. “Economicamente, os lixões também causam prejuízos, já que a falta da coleta seletiva acaba jogando fora muita matéria-prima”, observa.

Um bom exemplo parte do Espírito Santo, onde a situação está bem adiantada. Lá, o Ministério Público do Estado estabeleceu, em 2013, junto a todos os municípios capixabas interessados em ter acesso aos recursos garantidos por lei para a gestão do lixo, a assinatura de Termos de Compromisso Ambiental (TCA). Os termos foram elaborados em parceria com a Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes) e serviram como instrumentos de adequação das prefeituras à Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Segundo informações do governo capixaba, dos 52 lixões a céu aberto ativos no Espírito Santo no período em que a política foi instituída, hoje existe apenas um. Além disso, dos 78 municípios, 45 destinam resíduos sólidos urbanos para aterros sanitários licenciados, sendo que cinco estão em funcionamento e outros cinco em fase de licenciamento.

Os dados do governo estadual também registram que 32 municípios destinam seu lixo, hoje, para aterros controlados – que são antigos lixões operando hoje de forma controlada, e com dispositivos de controle ambiental. São informações que ajudam no esclarecimento de que, com política pública, boa vontade e articulação entre todos os setores envolvidos, o trabalho pode ser feito.

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