São Paulo

Reservatório do Alto Tietê esvazia rapidamente e órgãos responsáveis silenciam

Para encobrir problema no Sistema Cantareira, Alckmin autorizou retirada de água do Alto Tietê, que começa a dar sinais de esgotamento

Cantareira atingiu níveis alarmantes em dezembro e agora situação chega a outros mananciais

São Paulo – O nível dos reservatórios do Sistema Alto Tietê cai em velocidade semelhante a do Sistema Cantareira – ambos geridos pela Sabesp – desde antes da crise de abastecimento de água vir a público. Em 12 de maio do ano passado, as represas do sistema estavam com 64,9% da capacidade. Hoje (12) estão com 33,6%. Nos últimos cinco meses, houve uma queda em sequência de 46% em janeiro; 42,3% em fevereiro; 38% em março; 36,6% em abril; até os atuais 33,6%. A redução média é 0,2 ponto percentual ao dia.

Além disso, observados os meses de maio dos anos anteriores, a situação do Alto Tietê é ainda mais desanimadora, pois o reservatório tem o pior nível dos últimos dez anos para o período de início da estiagem.

O Sistema Alto Tietê abastece três milhões de pessoas na zona leste de São Paulo e nos municípios de Arujá, Itaquaquecetuba, Poá, Ferraz de Vasconcelos, Suzano, Mauá, Mogi das Cruzes e partes de Santo André e Guarulhos.

Os cinco reservatórios são alimentados pelos rios Tietê, Claro, Paraitinga, Biritiba, Jundiaí, Grande, Doce, Taiaçupeba-Mirim, Taiaçupeba-Açu e Balainho, com alcance do volume útil de armazenamento de 517,3 milhões de metros cúbicos.

No entanto, com a crise hídrica no Sistema Cantareira, passou a ser utilizado para fornecer água ainda para os bairros da Penha, Ermelino Matarazzo, Cangaíba, Vila Formosa e Carrão, onde vivem cerca de 500 mil pessoas. A represa Guarapiranga também passou a fornecer água para parte desses locais. No total, a Sabesp informa que 1,6 milhão de pessoas deixaram de receber água do Cantareira.

O volume retirado do Sistema Alto Tietê, normalmente, é de 14,65 mil litros por segundo. A Sabesp não informa se a retirada de água aumentou pelo atendimento aos novos bairros.

A nova destinação de água do Alto Tietê foi anunciada em março pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Contudo, a medida está em operação desde dezembro do ano passado. De lá para cá, o sistema teve queda de 14,7% no nível das águas, entre 1º de dezembro (49,1%) e hoje (33,6%).

alto tietê

Nos últimos três anos, a situação do reservatório para o mesmo período do ano era bem melhor: 80,5% da capacidade em 2011; 54,3% em 2012; e 64,9% no ano passado.

O índice de armazenamento do Sistema Cantareira caiu de forma semelhante, porém foi mais acentuado. Em maio do ano passado, a represa tinha 59,1% do volume total. Em setembro, o índice havia caído para 40,3%. E em dezembro já estava em 27,4%. Hoje, está em 8,9%, situação piorada pelo índice de chuvas no conjunto de represas e rios que formam o sistema, que foi muito baixo no período.

cantareira

No Alto Tietê, as chuvas de dezembro a fevereiro também ficaram abaixo da média, mas melhores que no Cantareira, aproximadamente metade do esperado em cada mês. Porém, a queda no nível não melhorou após as chuvas de março e abril, que foram muito semelhantes às médias registradas pela própria Sabesp: em março, choveu 146,3mm (contra uma média de 175,4mm) e em abril choveu 85,7mm (de 89,3mm).

A RBA procurou o Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê para avaliar a situação, durante três dias, mas não houve resposta. A empresa também não retornou o pedido feito desde a última terça-feira (6) para obter informações sobre a medida e os riscos potenciais.

Um membro de um dos subcomitês da Bacia do Alto Tietê, que pediu para não ser identificado, disse que a Sabesp não procurou o comitê para definir a ação de suprir parte do Cantareira com água do Alto Tietê. E que isso causou desentendimento entre a companhia e o grupo gestor. No registro de atas do comitê, a última reunião do plenária data de 7 de novembro de 2013 e tratava basicamente da renovação da outorga do Sistema Cantareira.

A assessoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê informou que o grupo não tem previsão de novas reuniões.

O 1º promotor de Justiça de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual de São Paulo, José Eduardo Ismael Lutti, que abriu inquérito para apurar responsabilidades sobre a crise de abastecimento na região metropolitana, está de licença prêmio e só deve retornar ao trabalho no próximo mês.

Para a promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual, Alexandra Facciolli, o problema era esperado, já que Geraldo Alckmin se recusa a instituir o racionamento de água. “Se não aplicar uma medida restritiva de consumo, mantendo o fornecimento como se não houvesse problemas, vamos levar o problema para os demais reservatórios”, afirmou.

No entanto, o presidente do Conselho Mundial da Água e professor de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Benedito Braga, avalia que a melhor medida é a multa para quem consumir muita água. “A multa já devia ter sido instituída. É no bolso que a população sente. Isso é uma coisa importante para a pessoa entender que a situação é grave”, argumentou.

Para Braga, a redução nos níveis é uma consequência das medidas necessárias pela situação climática. E o principal caminho agora é fazer a população entender o tamanho do problema.”A população tem de entender que estamos em uma situação gravíssima e fechar a torneira de casa. Tomar banho de dois, três minutos. Pois se não chover o esperado em outubro e novembro, a situação pode se estender por muito tempo”, ressaltou.

A posição é rechaçada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que considera a medida ilegal, pois as regras de concessão definem que a instituição de rodízio como medida de redução do consumo deve ser anterior a atitudes punitivas.

Porém, Braga reafirmou a posição de que o rodízio pode instalar uma crise maior, pela existência de brechas por onde a Sabesp perde cerca de 30% do volume de água enviado para os consumidores. “Se a Sabesp fechar os dutos que levam água, deixando-os vazios, pode haver contaminação por reentrada da água, que pode estar poluída e vaza pelas brechas do sistema.”

Durante a Parada do Orgulho Gay, realizada no último dia 4 de maio, Alckmin garantiu que não há perspectiva de racionamento para este ano nem para 2015. E destacou que a retirada de água do volume morto dos reservatórios do Cantareira, nível não atingido pelo sistema atual de captação de água, deve começar esta semana.

A água existente no volume morto vai agregar o equivalente a 30% do volume útil do Canteira, aproximadamente 400 milhões de metros cúbicos.

No entanto, a solução pode se transformar em novo problema, pois a Agência Nacional de Águas (ANA), do governo federal, e o Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), do governo de São Paulo, não confirmam nem desmentem a segurança do uso do volume morto, conforme noticiou ontem (8) a RBA. Ofícios enviados pelo Ministério Público, questionando as agência sobre a medida, foram respondidos de forma evasiva.

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