matriz energética

Químicos brasileiros e franceses debatem desenvolvimento sustentável

Desafio é conciliar crescimento econômico com desenvolvimento social. Trabalhadores, empresas e academia debatem de fontes alternativas de energia aos limites da sociedade de consumo

Dino Santos/Químicos ABC

Paulo Lage (à dir.): acordos coletivos também devem ter como meta aprimorar modelo de desenvolvimento

São Paulo – Os modelos de desenvolvimento sustentável e as opções de uso de energia foram os temas de debate organizado pelo Sindicato dos Químicos do ABC em parceira com a Federação de Química e Energia da Confederação Francesa Democrática do Trabalho. “Sabemos que precisamos de um novo modelo, baseado na sustentabilidade, mas sabemos também que fazer o progresso econômico se tornar desenvolvimento social para todos é um imenso desafio”, afirmou o dirigente francês Dominique Bousquenaud.

Segundo ele, para contribuir com a formação desse novo modelo o diálogo social a celebração de bons acordos construídos com os empregadores pode fazer as coisas evoluírem. “Somos a favor de um diálogo social responsável, porque não temos ambição de mudar o modelo de crescimento sozinhos. Temos como colaborar propondoum modelo de produção de baixo carbono, por exemplo, que se baseia na economia circular, reutilizando produtos e economizando recursos”, disse Bousquenaud.

No Brasil, segundo o presidente do Sindicato dos Químicos do ABC, Paulo Lage, o desenvolvimento sustentável será possível com estabilidade política, respeito à democracia, direito a organização sindical e a negociação coletiva. Lage ainda destaca a necessidade de fortalecimento da cadeia produtiva, assim como o apoio às micro e pequenas empresas para que possam promover melhorias nas condições de trabalho e ter também um olhar para mudanças.

“Percebemos, com essa troca de experiências, que é necessário um observatório de novos perfis de mão de obra para o futuro. Se a indústria vai mudar, que tipo de funções vão existir? Precisamos desenvolver uma política para entender e antecipar o que vai acontecer para enfrentar as limitações futuras”, disse Lage.

O assunto foi tema do Seminário Internacional organizado pelo Sindicato dos Químicos do ABC, na última quinta-feira (27), em Santo André, com participação de dirigentes sindicais franceses da Federação de Química e Energia da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT-CE).

Um debate recente, que já causa polêmica entre especialistas e foi discutido no seminário é a utilização do gás não convencional, ou gás de xisto. Assim como o gás natural, o de xisto também pode servir na geração de energia elétrica ou como combustível nas indústrias. Entretanto, há controvérsias em relação ao seu potencial de agressividade ambiental

A contaminação de lençóis freáticos e o consumo excessivo de água são as maiores críticas feitas pela forma como o gás é explorado, com toneladas de água misturadas a produtos químicos e areia, que são injetadas nos pontos de extração do gás.

“As empresas alegam que não há provas de contaminação, mas no ano passado começaram a surgir artigos científicos apresentando altíssimos níveis de metano em áreas próximas aos poços abertos nos Estados Unidos”, disse o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Luiz Fernando Scheibe, coordenador da Rede Guarani/Serra Geral.

Segundo Scheibe, até 2011, os Estados Unidos já haviam perfurado 400 mil poços, ao custo de US$ 10 milhões para cada unidade e utilização de aproximados 10 milhões de litros de água em cada poço.

A água utilizada volta à superfície contendo o gás natural, CO2, sulfeto de hidrogênio, mercúrio, chumbo e até substância radioativa. “Os riscos à saúde também são grandes, 956 substancias químicas já foram identificadas e mais de 80% delas com efeitos nos sistemas respiratórios, nervoso etc”, diz o professor.

No Brasil, licitação feita pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), em outubro do ano passado, permite a exploração de campos de gás natural convencional, no Acre, Piauí, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Paraná. Segundo o professor, as empresas que adquiriram esses blocos, também assinaram contratos com o compromisso de realizar pesquisas para avaliação da possibilidade de exploração do gás de xisto. “Ainda não há autorização para produção, mas todas as áreas estão dentro das grandes bacias sedimentares brasileiras, onde há possibilidade de grandes reservas de águas subterrâneas. Queremos uma comissão para uma avaliação ambiental estratégica nas bacias de exploração, antes de autorizar a extração do gás” avisa o professor.

Segundo o presidente do Sindicato dos Químicos do ABC, Paulo Lage, o assunto vem sendo analisado com maior ênfase pela categoria desde a conferência internacional sobre a indústria química em 2020, promovida pela entidade em 2011 e com a participação de representantes do setor empresarial, de governos e da academia.

“Desde então se discutem dificuldades com o peso dos combustíveis fósseis para a balança comercial e se questiona como nos Estados Unidos o gás de xisto custa o equivalente a 20% do gás convencional”, lembra Lage.

“Não sabemos como eles conseguem vender gás tão barato num sistema tão complexo. Alguns artigos afirmam que a indústria é deficitária e que ela não conseguirá manter o baixo preço por muito tempo. Em outros países diz-se que, com uma regulamentação ambiental um pouco mais rígida, não será possível produzir gás não convencional tão barato”, completa o professor.

França

Em debate há alguns anos no país, a lei francesa proíbe qualquer pesquisa, busca e exploração de gás de xisto. Para os sindicalistas químicos franceses, a proibição é um exagero, por impedir que conheça os níveis de reserva que se encontram no solo francês. “Não estamos de acordo com isso, porque precisaríamos saber quais são os recursos que temos na França. Enquanto isso, ficamos amarrados com contratos de outros países de onde compramos gás”, diz Dominique Bousquenaud, referindo-se a Argélia, Noruega e Rússia, exportadores de gás ao país.

A necessidade de fortalecer as energias renováveis, desenvolvendo e criando condições para melhorar a eficiência energética está entre os desafios dos franceses. Em 2012, quando se iniciou o debate sobre transição energética na França, com ênfase na eficiência e no consumo de energia renovável, o governo francês assumiu o compromisso de reduzir a participação da energia nuclear na matriz energética do país, reduzindo de 75% para 50%, até 2025.

“Faz parte da nossa convicção sobre um novo modelo, porque isso envolve várias áreas, como transporte coletivo e a questão habitacional. Discutir a transição energética, com poder público, ONGs, parlamentares, sindicatos e empresários é uma oportunidade, inclusive, para o resgate econômico da França”, disse Bousquenaud que o país espera concluir até o final deste ano a tramitação de uma lei destinada a regular essa transição.

Segundo a CFDT-CE, cerca de 8 milhões de franceses, do total de 60 milhões de habitantes no país, não têm energia suficiente para consumo doméstico.

Alternativas

A exploração da energia solar como fonte limpa e renovável é uma das alternativas mais defendidas pelos ambientalistas. A forma de captá-la e transformá-la diretamente em energia elétrica é uma questão tecnológica cada vez mais equacionada e economicamente viável.

Entretanto, para o professor Scheibe, da UFSC, mais importante do que buscar formas de energias alternativas redirecionar o planeta para a construção de uma nova de organização e de funcionamento – o que implica rever os padrões de consumo e de desenvolvimento. “Esse é o nosso grande drama. Não se curvar aos ditames do capital, que fica o tempo todo querendo produzir mais e consumir mais, porque isso não tem fim. Nunca teremos energia suficiente para atender a todas as possibilidades colocadas pelo capital”, conclui.

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